Os escape rooms são uma atividade de turismo experiencial em expansão em Portugal. O desígnio é simples: Cinco pessoas são trancadas numa sala e têm 60 minutos para escapar. Para conseguir, vão ter de seguir várias pistas, aceder a passagens secretas, desvendar enigmas e, acima de tudo, trabalhar em equipa. É uma experiência completamente imersiva, as salas são temáticas e têm uma narrativa específica que cria uma atmosfera que envolve os participantes. Turistas, grupos de amigos, famílias, festas de aniversário, despedidas de solteiro(a) e eventos de team bulding para empresas, os públicos são muito diversificados. São vários os espaços em actividade na zona Centro do país. Por trás de cada escape room há um empreendedor que se apaixonou pela actividade e decidiu arriscar. Destrancaram-nos as suas portas e partilharam connosco as suas motivações, lutas e desígnios por trás de um investimento. Chamam-lhes Game Masters. Estas são as suas histórias.
Sherlock's Room (Viseu)
Numa rua do centro de Viseu existe um gabinete de ciências ocultas, onde trabalha uma vidente chamada Margot. A sua presença é vista com desconfiança por muita gente. Há até quem a associe a alguns crimes que ocorreram na cidade. Será preconceito ou há algum fundamento nessas suspeitas?
Esta é a premissa de Margot's Secrets, a sala do único (até à data) escape room de Viseu.
Foi criado por dois casais viseenses que se apaixonaram pela atividade no Porto. “Ficámos bastante entusiasmados e achámos que Viseu também merecia uma atividade do género”, afirma Tânia Pascoa. A farmacêutica e a colega Sílvia Ramos sentaram-se à mesa com os respetivos, Bruno Lima (professor de educação física) e Rui Lucas (engº eletrotécnico) e começaram a debater formas de concretizar essa intenção. “Ideias não faltaram mas pô-las em prática foi um processo difícil”, refere Tânia. Explica que foi essencial estabelecer uma interligacão dos enigmas com o tema e uma sequência que se adaptasse à evolução das equipas durante o jogo. “Os enigmas têm uma sequência lógica e foram pensados de forma a serem cada vez mais desafiantes e a deixarem os jogadores cada vez mais envoltos no mistério”, complementa.
Instalaram o jogo num antigo gabinete de design de jóias. Encomendaram materiais para recriar um espaço místico. No Verão de 2016, abriram as portas.
“Primeiro estranha-se e depois entranha-se”. Tânia esclarece que tem sido essa a relação com o público naquela cidade. As pessoas tendem a hesitar perante um conceito tão recente e que difere de tudo o resto, mas quando a hesitação perde o braço de ferro com a curiosidade, a reação é uníssona. “Quem se atreve a participar não se arrepende e, para além de 60 minutos de pura adrenalina, ficam na memória bons momentos em família ou amigos”, garante.
Os quatro, para além de Game Masters, são também aficionados por geocaching. É comum percorrerem o país em busca de caches e escape rooms. Destes últimos, já fizeram 15. E querem fazer muitos mais. “Uma vez que existem salas diferentes por todo o país, quem gosta não perde a oportunidade de passear e alimentar esse bichinho, cada vez mais viciante”, diz Tânia.
Essa tendência reflete-se no seu negócio. “Temos frequentemente grupos de todos os cantos de Portugal e até de outros países”.
Essa tendência reflete-se no seu negócio. “Temos frequentemente grupos de todos os cantos de Portugal e até de outros países”.
Tânia destaca a presença cada vez mais frequente das empresas na sala da Margot. “Procuram criar momentos de descompressão e fomentar o trabalho de equipa entre os colaboradores”. Informa ainda que têm um jogo móvel, em parceria com o Solve & Escape (Aveiro), que permite a deslocação até ao espaço laboral.
Nas festas de aniversário, por vezes incluem um enigma extra, de forma a incluir um presente no jogo. Uma surpresa extra para o aniversariante, com a cumplicidade dos seus amigos.
Classifica a procura como “crescente”. Toda a equipa mantém empregos na sua respetiva área de formação, mas conciliam os horários de forma a manter as portas abertas todos os dias. “Partimos para esta aventura com uma motivação e um entusiasmo que ainda hoje se mantém, o feedback de quem nos visita tem sido muito positivo e gratificante”, afirma Tânia, salientando a pergunta sacramental com que são sempre brindados no final do jogo: Para quando a próxima sala?
“Estamos a trabalhar nisso”, confidencia.
Escape Tower (Óbidos)
Sala: “Escape Tower”
Website: Escape Tower
A torre foi construída no século XII, sob o reinado de D. Sancho I. Começou por ter uma função estratégica de defesa. Depois, foi um cofre-forte, onde eram guardados objetos e documentos importantes. Mais tarde, foi também uma prisão. Hoje, continua a sê-lo, de certa forma. Todos os dias são lá aprisionadas pessoas, mas a todas é dada a oportunidade de escapar. Vinte por cento conseguem.
O desafio de instalar um escape room numa torre medieval foi abraçado por Mara Correia.
O espaço estava disponível para ser dinamizado num projeto inovador, que trouxesse valor à oferta turística da vila e da região de Óbidos. Mara vislumbrou nessa oportunidade a chance de concretizar dois desígnios: Regressar à sua terra natal e associar a sua formação académica a uma atividade que a fascinava.
O espaço estava disponível para ser dinamizado num projeto inovador, que trouxesse valor à oferta turística da vila e da região de Óbidos. Mara vislumbrou nessa oportunidade a chance de concretizar dois desígnios: Regressar à sua terra natal e associar a sua formação académica a uma atividade que a fascinava.
Aos 18 anos, saiu de Óbidos para estudar psicologia em Évora. De estudante, passou a professora na universidade e assim permaneceu durante 11 anos. Uma amiga falou-lhe do conceito dos escape rooms precisamente na altura em que estava a pensar regressar à sua vila. Experimentou e adorou.
“A sequência dos puzzles e os modos de pensamento e competências exigidas aos jogadores foram as coisas que mais me despertaram interesse”, refere.
Mara tinha acabado de sair de um processo longo e exigente, um doutoramento, no qual aprendeu “várias coisas sobre o processamento do pensamento humano”, nomeadamente “a criatividade, a aprendizagem e o modo como atribuímos significado às coisas”.
Achou que a atividade tinha tudo a ver com isto, resolveu meter mãos à obra. Visitou inúmeras casas em Portugal e no estrangeiro, pesquisou imenso, manteve contactos com escape room designers dos EUA, Rússia e Polónia.
A idealização do jogo foi tão ponderada quanto complexa. “Queríamos algo que respeitasse o espaço”. Houve uma atenção especial na escolha dos materiais. “Tentamos cada vez mais apostar em puzzles e objetos originais, construímo-los de raiz, isso implica descobrirmos parceiros artesãos que trabalhem certos materiais como madeira e ferro”, explica. Sorri e complementa de seguida: “E que entrem na nossa onda”.
A idealização do jogo foi tão ponderada quanto complexa. “Queríamos algo que respeitasse o espaço”. Houve uma atenção especial na escolha dos materiais. “Tentamos cada vez mais apostar em puzzles e objetos originais, construímo-los de raiz, isso implica descobrirmos parceiros artesãos que trabalhem certos materiais como madeira e ferro”, explica. Sorri e complementa de seguida: “E que entrem na nossa onda”.
Em Dezembro de 2015, a Escape Tower abria as suas portadas. Desde então, já lá entraram quatro mil jogadores. Muito poucos conseguiram sair.
A maioria dos clientes são turistas. Muitos descobrem a atividade enquanto exploram o castelo. “Muitas vezes deixamos que espreitem e vejam, mesmo que não joguem”, afirma Mara. Complementa: “No entanto notamos que há cada vez mais visitantes e turistas que conhecem o conceito e ficam muito entusiasmados por saberem que temos aqui um escape room”.
As empresas compõem a outra grande fatia de público, tanto que a Escape Tower avançou com outra marca, a Óbidos Teambuilding. “Queremos fazer crescer as duas em paralelo”.
Mara destaca ainda a existência de grupos de amigos que moram em zonas diferentes do país e que acabam por encontrar-se aqui, “a meio caminho”, com o pretexto de virem jogar. “Para além disso, há entusiastas que fazem todo o périplo de escape rooms do país”.
Mara organiza ainda jogos personalizados, em parceria com uma agente turística. “São fins-de-semana surpresa, os clientes só sabem o hotel onde vão ficar”.
Num desses planos, surpreenderam um casal, durante um jantar tardio a dois na Pousada do Castelo. Entregaram-lhes trajes da época e, à luz da candeia, encaminharam-nos para a torre. “Foi um jogo fantástico que durou mais de duas horas!”, relembra Mara. “Eles estavam muito apaixonados e, digamos que durante o jogo tivemos que os focar no objetivo várias vezes, assim como lembrá-los que não estavam sozinhos na torre”.
O crescimento tem sido positivo. Mara destaca as parcerias de divulgação que estabelece com outros escape rooms da zona Centro (Coimbra, Leiria e Torres Vedras) e as sinergias com outras entidades e municípios. Participam anualmente na feira medieval de Torres Novas, organizam ações no Castelo de Leiria, na base aérea do Montejunto e na Quinta da Regaleira, em Sintra.
O crescimento tem sido positivo. Mara destaca as parcerias de divulgação que estabelece com outros escape rooms da zona Centro (Coimbra, Leiria e Torres Vedras) e as sinergias com outras entidades e municípios. Participam anualmente na feira medieval de Torres Novas, organizam ações no Castelo de Leiria, na base aérea do Montejunto e na Quinta da Regaleira, em Sintra.
“Pretendemos alargar o nosso campo de ação para mais edifícios que tenham este valor e simbolismo histórico e cultural”, afirma. “Um escape room é uma experiência que se quer imersiva e é uma excelente forma de diversão e aprendizagem simultânea”.
Epic Escape Game (Torres Vedras)
Sala: “Legendary”
website: Epic Escape Game
Os cinco torrienses deambulavam pelas ruas de Madrid quando uma porta lhes prendeu a atenção. Bateram, entraram e durante 60 longos minutos, chegaram a duvidar seriamente se conseguiriam sair. A libertação trouxe mais euforia do que alívio. Nas semanas seguintes mantiveram-se acorrentados ao tema. Todas as conversas iam dar à sua experiência num escape room. Não demorou muito até alguém soltar a inevitável questão: Porque não abrirmos nós um?
Jorge Rebelo (33), Luís Firmo (27), Filipe Firmo (32), Tiago Bernardes (33) e Pedro Sá (33) passaram a reunir frequentemente para debater ideias, desenhar planos, sugerir temas.
Jorge Rebelo (33), Luís Firmo (27), Filipe Firmo (32), Tiago Bernardes (33) e Pedro Sá (33) passaram a reunir frequentemente para debater ideias, desenhar planos, sugerir temas.
Acabaram por optar pela temática marítima. O jogo desenrola-se num barco pirata, que transporta um valioso saque e é abordado por uma equipa de cinco marinheiros que têm a missão de descobrir e resgatar o tesouro. “Queríamos criar um jogo independente da sua localização geográfica, mas que ao mesmo tempo evocasse referências históricas nacionais, ao fim ao cabo fomos os grandes descobridores do mundo”, afirma Jorge. “Também houve alguma influência dos piratas que tradicionalmente inundam a cidade na altura do Carnaval”, complementa.
Um dos elementos possuía uma loja no centro histórico da cidade. Onde num passado não muito distante existiu uma igreja evangélica, a equipa arregaçou as mangas e meteu mãos à obra. “Estivemos cerca de 3 meses a montar a nossa ‘embarcação’ pirata, que foi toda construída por nós e pelo pai de um dos membros da equipa, cuja ajuda foi fundamental”, refere Jorge.
A equipa idealizou todo o enredo e fluxo do jogo. Passaram a visitar feiras da ladra, onde adquiriram inúmeras peças da decoração. “Algumas até foram obtidas num convento de freiras”, complementa. Outros elementos foram aproveitados do passado do espaço. “Antes de ser uma igreja, existiu aqui uma agência de seguros, que deixou um cofre. Tornou-se parte integrante do jogo”.
A multidisciplinaridade da equipa (cuja formação vai desde a área comercial, managing de equipas, IT, consultoria, marketing, turismo e atividades outdoor), potenciou a criação autónoma de todo o negócio, sem recurso a serviços externos. “O website, o design, o marketing, o próprio software do Game Master, foi tudo produzido por nós”, afirma Jorge.
Para além da paixão pela atividade, motivava a equipa a criação algo que fosse um valor acrescentado para a cidade, não apenas como oferta turística, mas também para disponibilizar uma oferta diferenciada para a população local. “Somos todos ‘filhos da cidade’ e faz parte de nós estar envolvidos ativamente com ela”, afirma Jorge, destacando que dois dos elementos “são escuteiros há mais de 20 anos”.
O crescimento tem sido gradual. No início eram maioritariamente procurados por estrangeiros e entusiastas da atividade. Hoje, ano e meio depois, o público é diversificado: Turistas, empresas em ações de team building, aniversários e despedidas de solteiro.
Jorge destaca ainda o “turismo de escape game”. Equipas que percorrem o país para fazer os jogos existentes, sempre com o intuito de bater os recordes de cada sala. “O recorde da nossa, por exemplo, é de uma equipa que no dia em que realizou o nosso jogo ainda foi para Setúbal fazer outro”.
Já foram muitos os episódios caricatos no convés do barco pirata. A maior parte envolve participantes que desconhecem a atividade e entram muito reticentes e céticos. “No fim, saem sempre eufóricos, com um sorriso de orelha a orelha”, refere Jorge.
Afirma que os jogos em família também são particularmente divertidos e até surpreendentes: “As crianças, pela sua forma de raciocínio mais livre, são muito mais objetivas e tendem a acertar mais na resolução dos enigmas, enquanto os pais, sem lhes prestar atenção, perdem imenso tempo com tentativas mirabolantes”, refere, sorridente.
Embora os maiores focos desta atividade continuem no Porto e Lisboa, Jorge vê uma evolução significativa de ano para ano na zona Centro. Em Torres Vedras, não obstante o turismo ser ainda maioritariamente sazonal, a procura mantém-se o ano todo e o retorno do investimento “tem superado as expectativas”.
Como tal, a equipa já equaciona ampliar a oferta. “No início podíamos ter adaptado o espaço para termos duas salas a funcionar em vez de uma. A experiência hoje diz-nos isso, no entanto, estamos a trabalhar nessa hipótese para um futuro breve”, confidencia.
A motivação, essa continua bem alicerçada nos cinco torrienses. “Não há maior fonte de motivação que a expansão de algo que construímos e desenvolvemos do zero”.