4 de novembro de 2020

Reportagens: Ruínas por Empreender


O Posto Fiscal das Memórias não Declaradas 



No topo do Monte Fidalgo (Vila Velha de Rodão) erguem-se as ruínas de um antigo posto fiscal. 
Durante décadas, homens passaram lá dias e noites a patrulhar a fronteira líquida do Tejo Internacional, em busca de contrabandistas. 
Hoje, são edifícios abandonados, com janelas sem vidros que se abrem para uma paisagem de cortar a respiração. 
E são também uma oportunidade de investimento, ao abrigo do programa Revive Natura (Turismo Fundos) que visa a requalificação e a valorização de imóveis públicos devolutos através da sua conversão ao turismo.
Há 16 imóveis disponíveis para concurso, sete dos quais na Região Centro. O antigo Posto Fiscal de Monte Fidalgo é um deles. 
Visitámo-lo na companhia de Lídia Moura, de 86 anos, esposa de um dos guardas-fiscais que fizeram daquele posto o seu quotidiano, a sua vida. 
Testemunhamos a idílica envolvência natural, a vista inacreditável e o vasto potencial à disposição de um espírito empreendedor. E descobrimos que as estas paredes escondem um legado cheio de histórias e memórias. 


12 de outubro de 2020

O posto fiscal das memórias não declaradas

 


Manuel Conceição só usou a sua espingarda uma vez. Era de noite e o luar permitiu-lhe vislumbrar uma silhueta suspeita entre os arbustos. Apertou o gatilho, com o cano virado para o ar. O contrabandista ergueu os braços, largou a mochila e fugiu. Manuel aproximou-se dela e quando a abriu não ficou surpreendido. Algumas ferramentas e utensílios de cozinha, o normal.
Regressou ao seu Posto Fiscal e ao seu plantão. Hasteou a bandeira ao amanhecer, como em tantas outras manhãs de 1960, envolto num bucólico silêncio e na vista deslumbrante do topo da sua colina para as águas do Tejo internacional, que ondulavam entre montanhas portuguesas e espanholas. 

Cumprimentou o colega do turno seguinte e caminhou para casa. Passos firmes, passos de sentimento de dever cumprido. A sua aldeia, Perais, ainda ficava longe, a quase a cinco quilómetros. Longe estavam também os 35 anos em que aquela rígida linha invisível que se tonara a sua vida deixaria de existir. Na altura, era impensável. E também não lhe passava pelo pensamento que o seu imaculado posto estaria anos e anos em ruínas até, um dia, surgir a oportunidade de o converter num empreendimento turístico. E muito menos que seria a sua esposa de sempre a sobreviver-lhe e a partilhar as memórias e o legado do seu Monte Fidalgo.




“Acho que foi em 1957 que ele veio para cá. Espere, não. Foi 1958, quando nasceu o nosso filho”, recorda Lídia Moura. Os seus 86 anos não lhe tolheram a memória, nem a genica com que percorre o estradão de terra que leva ao antigo Posto Fiscal de Monte Fidalgo (Perais, Vila Velha de Rodão). É a primeira vez que regressa a este local, desde que ele está abandonado. Passaram anos, passaram vidas. “Nunca tive muita vontade de cá vir, para não ver este abandono. O posto era bonito e gostava de o recordar como o deixei, como o vi pela última vez”. No entanto, quando soube aquele espaço poderia vir a ser renovado e transformado em algo completamente diferente, a saudade misturou-se com a curiosidade. “Olhe, se calhar até lá vou”.



O falecido marido, Manuel Conceição, foi guarda fiscal neste posto de 1958 a 1962. “Ele fazia dois turnos diários de quatro horas, um de dia e um de noite”. De 12 em 12 dias, ficava de plantão, ou seja, permanecia no posto 24 horas seguidas. “Era das 8 da manhã até às 8 do dia seguinte”. Esses eram os dias mais solitários para ambos. Lídia não ficava com o marido no posto, era proibido. Mas ia lá todos os dias levar-lhe o almoço. “Ia a pé de mochila às costas, com o pequenito ao colo”, relembra, com olhos húmidos. “Ainda era um bocadinho longe, mas quando a gente é nova nada cansa”. O farnel era variado. Pão, chouriço, carne estufada, bacalhau, salada de feijão. “Graças a Deus, ele gostava de tudo”.  


Nesses tempos, o contrabando era uma prática muito comum na zona. Era tolerada, era quotidiana. As populações locais viam-na como um meio de subsistência. Havia produtos que escasseavam em ambos os lados da fronteira. Os espanhóis desejavam o nosso café, a nossa farinha, a nossa amêndoa. Já nós, desejávamos ferramentas, utensílios de cozinha, tabaco e pequenos itens que eram novidade aos olhos de cá, como isqueiros, perfumes, caixas de joias. Pagar o imposto alfandegário tornava incomportáveis esses desejos, por isso pessoas de todas as idades “faziam-se ao caminho” e arriscavam-se nas matas, montanhas e rios com sacos de 20 ou 30 quilos às costas, tentando passar despercebidos aos carabineiros, do lado de lá, e a homens como o Manuel do lado de cá. 


“Ele gostava do que fazia. Isto aqui era tranquilo, as pessoas iam comprar umas coisitas lá ao outro lado, mas não era nada de perigoso”. O que custava mais era a solidão. Por vezes, Lídia jantava com ele na pequena cozinha do posto. “Cedo, para conseguir regressar a casa antes de ser de noite”. Ouviam rádio, sentiam o conforto da lareira, diziam “até amanhã” e Manel regressava à companhia da sua espingarda e da encantadora paisagem que o cercava, igualmente bela ao luar como ao sol.

 


Os encantos deste sítio eram tantos que até o visitavam em momentos de folga. Por vezes à tarde, onde Lídia se recostava e ficava a observar Manuel a pescar barbos e bogas com uma tarrafa. Por vezes à noite. “No verão, quando era mais quente, vínhamos cá, descíamos ao rio, estendíamos uma manta na areia e dormíamos ao relento. Nós dois e o pequenito, junto ao rio”.


Passos que cessam, um assoalho que deixou de ranger. Encontro Lídia parada no meio de uma ampla divisão, rodeada por paredes brancas, rodapés azul-cinza e memórias invisíveis aos meus olhos. “Aqui aconteceu uma das maiores surpresas da minha vida”.
Como em tantas outras noites em que Manuel estava de plantão, Lídia foi-lhe levar o jantar. Levou bacalhau, era véspera de Natal. “E era também o dia em que eu fazia 27 anos”, acrescenta, com um sorriso. Quando entrou, viu duas camas de solteiro da camarata encostadas uma à outra. “Hoje dormindes cá”.


Acompanho-a até à janela que se abre para o Tejo e por onde o seu olhar sorri enquanto confessa: “Olhe nem dormi a noite toda, cheia de medo que o comandante aparecesse cá a fazer a ronda e nos apanhasse”. 

Deixo-me ficar mais uns instantes junto a essa janela sem vidros por onde espreitam o passado, o presente e o futuro. Olho para as montanhas revestidas de verde e para as águas tranquilas do rio. “Quem contemplará tudo isto um dia?”, penso.



É com o objetivo de estimular a recuperação de imóveis públicos devolutos como este, recheados de potencial turístico devido à sua localização idílica, ao seu património natural e ao seu legado histórico, que a Turismo Fundos criou o Fundo Revive Natura em 2019.     

O fundo visa transformar estas ruínas cheias de histórias em oportunidades de investimento turístico. “Tem como objetivo a requalificação e a valorização dos imóveis, compatibilizando a conservação, recuperação e salvaguarda dos valores em causa com novas utilizações, que beneficiem as comunidades locais, atraiam novos visitantes e fixem novos residentes”.


Há, presentemente, 16 imóveis disponíveis para concurso (o prazo para concorrer é até 19 deste mês), sete dos quais na Região Centro.

Os antigos postos fiscais de São Pedro de Moel, Quiaios, São Jacinto, Alares e Malpica do Tejo. A antiga Sede da Administração Florestal na Figueira da Foz. E o antigo Posto Fiscal de Monte Fidalgo.



O monte tem um pequeno planalto, em frente aos dois edifícios, com vista desafogada para o rio e para o vale. Quantas vezes se terá perdido naquela fronteira líquida o olhar de Manuel? Quantas horas, quantos anos? É lá que se encontra Lídia. Em vez de uma espingarda ao ombro, tem um guarda-chuva aberto, que a protege do calor tórrido de outubro. “Aqui o verão dura mais tempo”.


Restam as recordações, que se tornaram quotidianas. A farda cinzenta do marido, hoje usa-a na apanha da azeitona. “O tecido é fresco e liso, não pega lá nada”. Uma medalha, ofereceu-a ao Núcleo Museológico do Contrabando, em Perais, onde é contemplada todos os dias pelos visitantes. As fotografias a preto e branco testemunham a vida a três que existia até só passar a existir ela. Mas todas as existências, tal como as memórias do seu Monte Fidalgo, caminham consigo para todo o lado.



A nossa nova rubrica de reportagens: Ruinas por Empreender



Vamos estrear uma nova rubrica de reportagens, onde serão retratados espaços que estão presentemente abandonados ou devolutos e que reúnem características que os dotam de potencial para um investimento turístico.

São espaços despidos de vida, mas que guardam histórias e/ou memórias de quotidianos de outrora e que possuem valências a nível patrimonial, arquitetónico, cultural ou paisagístico, passiveis de requalificação e potencialização.

Em alguns casos, estes imóveis escondem um passado auspicioso, que será contextualizado com a decadência do presente e o ponto de interrogação promissor que envolve o seu futuro.

A rubrica visa dar a conhecer e promover novas oportunidades de investimento no sector turístico da Região Centro de Portugal.

(Foto: Autocaravanista.pt)

9 de outubro de 2020

Felicidade movida a energia solar




São 11 da manhã quando subo a bordo. O céu está coberto de nuvens, há um vento ligeiro que sopra de sudoeste, mas a água está calma. Não há ondas, não estamos no mar, a única ondulação é um ligeiro borbulhar na água quando é sulcada pelo casco vermelho do Gaivinha, que significa “andorinha-do-mar” em latim. É também o único som. O barco, movido a energia solar, é incrivelmente silencioso e enquanto navega na Ria de Aveiro propicia uma esplêndida sensação de paz e relaxamento que se apodera de todos os sentidos. Trata-se de uma experiência turística. Uma experiência que nasceu de uma promessa entre um homem e uma mulher.




Aconteceu em 2015. Estevão Castro fez um acordo em jeito de promessa com Sandra Oliveira. “Quando tivermos 55 anos vamos montar um negócio só nosso, algo ligado à Ria de Aveiro. A nossa Ria de Aveiro”. Ela contemplou-o e sorriu. “Sim, agrada-me a ideia de terminar os dias com os pés na água”.
E a vida de ambos estava ligada à água. Quando era pequeno e passava a Ponte da Praia da Barra, Estevão olhava, fascinado, para as ilhas na ria. “Como é que se vai para ali? Eu quero ir para ali!”. Os anos passaram e o seu fascínio pela ria transbordou para a cumplicidade. “Transmite-me calma, paz interior. É o meu espaço de reflexão”.



Já Sandra, trabalhou como concierge de um spa num navio cruzeiro e navegou pelo mundo. Nova Zelândia, Polinésia Francesa, Havai, Taiti, Bora Bora, Caraíbas, Báltico. Em 2015, resolveu baixar, pela derradeira vez, a ancora num oceano. “Estava na hora de ter outra estabilidade, juntar os trapinhos e mudar de vida”.




Uma coincidência veio antecipar o plano. No Outono de 2019, estavam ambos numa animada festa de aniversário quando surgiu em conversa “aquele barquinho giro” que costumava “fazer tours na ria”. Interrogaram-se sobre o que lhe tinha acontecido. “Nunca mais o vi”, repetiram todos. Quase todos. Um dos convidados conhecia-lhe o destino. “Os proprietários desistiram desse negócio, o barco está guardado num pavilhão junto à ria”.




Nessa mesma noite, já em casa, o casal voltou a abordar o assunto. “E se ficássemos nós com ele?”. Faltavam ainda 10 anos para a meta empreendedora que tinham estabelecido (ele tinha 45 e ela 42), mas a ideia agradava-lhes. Obtiveram o contacto dos proprietários e marcaram uma reunião. “Aquilo parecia ter imenso potencial, acima de tudo, queríamos saber o que tinha corrido mal”, refere Estevão.




A resposta que obteve foi elucidativa: “Isto é um projeto que tem de ser explorado pelos próprios, se não dominares de A a Z todas as facetas do negócio e se não estiveres tu à frente dele, não vai funcionar”, disseram-lhe. Não era um obstáculo. “A Sandra tinha disponibilidade total e era a pessoa indicada para abraçar este projeto”. Chegaram rapidamente a um acordo. Poucos tempo depois, o Gaivinha era deles.




Não iam criaram um negócio de raiz, como tinham idealizado, mas iam aproveitaram um negócio que tinha encalhado e que eles acreditavam conseguir levar a bom porto.




No início do ano, elaboraram um minucioso plano de negócios; estimaram o número diário de viagens, a lotação do barco, o preço médio por pessoa, entre muitas outras contas. A confiança no potencial do empreendimento saiu ainda mais reforçada. “Só se entretanto houver uma terceira guerra mundial é que isto não vai funcionar”, disse, na altura, Estevão a Sandra.



E assim (res)surgia o Sterna – nome científico da andorinha-do-mar, sterna hirundo – um empreendimento de turismo náutico sustentável, com um barco integralmente movido a energia solar que dá a conhecer “todos os segredos e encantos da Ria de Aveiro”.




No dia 16 de Março de 2020 efetuaram a primeira saída. Embarcaram uma estudante brasileira e um casal aveirense. “Foi um pouco estranho”, confessa Estevão. “A ideia inicial era deixá-los desfrutar da beleza da paisagem e da tranquilidade. No entanto, instalou-se um silêncio um pouco constrangedor”. Foi quando perceberam que tinham de introduzir storytelling na atividade. “Um valor acrescentado de forma às pessoas saírem daqui com algo interessante para contar, sobre a ria, as marinhas, os canais, as aves ou os achados arqueológicos nestas águas”.




Decidiram efetuar uma pesquisa geral sobre o local, sem saber que, infelizmente, iriam ter imenso tempo para a aprofundar. 48 Horas depois, era decretado estado de emergência com a pandemia do Covid-19.




Entretanto, as nuvens começaram a abrir e já se vislumbram algumas manchas de azul no céu. Vamos percorrendo tranquilamente os canais da Ria, que é muito mais extensa do que imaginamos. Ao todo, tem 45 quilómetros de extensão e 11 de largura, recheados de beleza natural e biodiversidade. À medida que navegamos vamos deparando com inúmeras ramificações que se desdobram em possibilidades de descoberta e exploração. “Os canais da ria eram as verdadeiras estradas da época pois abrangiam vários concelhos do distrito de Aveiro e Coimbra” refere Sandra.






É percetível na sua voz o entusiasmo do regresso à sua atividade. Apesar de todos os constrangimentos que o período de confinamento lhe trouxe, optou por rentabilizar esse tempo. “Aproveitámos para redefinir a nossa estratégia comercial, atualizámos o nosso storytelling com muita pesquisa e a escutar imensas estórias antigas sobre a ria e até fizemos formações e consultoria com a Biosphere Portugal”. Foi definido também um meticuloso protocolo de segurança e higienização, ao qual assistimos antes de embarcar, com desinfeção do barco e dos coletes salva-vidas e medição da temperatura antes de subir a bordo.




“À nossa direita, temos mais uma das muitas marinhas de antigamente, a Fidalga do Norte”, informa Sandra. Durante séculos, a produção de sal foi um fator de relevo na economia aveirense. Havia centenas de marinhas espalhadas pela ria, que extraiam o sal da água através da evaporação nas salinas. Eram rodeadas por muros arcaicos feitos com terra, lodo e madeira e tinham pequenas habitações de apoio que eram apelidadas de palheiros. Hoje, há menos de uma dezena ainda em atividade e muitos, muitos vestígios desse passado áureo. Vamos navegando entre eles, muros derrubados, palheiros em ruínas e ancoradouros toscos, há anos órfãos de embarcações.




O capitão – ou skiper – vira o leme à direita, na direção do Esteiro do Gramato. “Sabes porque tem esse nome, não sabes?”, questiona Sandra a um dos marujos. “Por causa da Gramata Branca”, responde uma voz fininha, pausada, alegre. É o Vasquinho, o seu filho de quatro anos que a acompanha na proa do Gaivinha. Na popa, Estevão está ao leme, junto com o filho mais velho, Rodrigo (13). Sandra é quem está a tempo inteiro no negócio (Estevão tem outro emprego) mas é comum a família fazer-lhe companhia, sempre que possível. Explica-nos que a gramata branca é uma das plantas comestíveis da ria e que existe em abundância naquele canal. “A outra é a salicórnia. São ligeiramente salgadas e ricas em antioxidantes naturais”.







Após termos cruzado alguns canais, Estevão debruça o olhar para o ecrã da sonda, que lhe revela que estamos numa zona profunda da ria. “É aqui”, afirma, captando a atenção de todos. “Algures por aqui está afundado um galeão do século XVI”. Conta-nos que foi descoberto por dois mergulhadores (2009) e que se encontra parcialmente enterrado no lodo.



É apenas um dos vários naufrágios na ria. “O canal de onde partimos, onde é o posto náutico, era, no século XV, um movimentado posto comercial”. Ao longo dos anos foram recuperados nestas águas inúmeros artefactos arqueológicos. Em 1994, enquanto revolvia a areia em busca de ameijoas, um mergulhador encontrou um astrolábios do tempo dos descobrimentos. “Está hoje no Museu da Marinha”. Ainda na década de 90, entre os destroços de um mercantel, foram recuperadas imensas cerâmicas do século XV. “E devem haver muitos mais desses vestígios do passado por descobrir”.




À distância, vamos avistando algumas silhuetas do que parecem ser casas no meio da ria. “São as ilhas”, esclarece Sandra. Refere-se a terrenos de antigas marinhas, rodeados por água e onde ainda se erguem as antigas edificações.




Algumas dessas casas estão abandonadas e em ruínas, outras têm passado de geração em geração e foram sendo recuperadas. Algumas são habitadas. À medida que nos aproximamos, vislumbramos os seus detalhes rústicos, os ancoradouros de madeira, as estruturas pitorescas, as paredes cobertas de azulejos coloridos. Algumas têm jardins, outras têm lanchas submersas na vegetação. E há alpendres de onde, imaginamos, se testemunham entardeceres únicos.







“Uma delas está à venda”, afirma Estevão. “Da última vez que vi, custava três milhões e meio de euros”. Está a falar da Ilha do Monte Farinha que, para além das salinas, chegou a ter uma quinta de produção de agro-pecuária. “Tinham vacas, cavalos e um rebanho enorme. Os animais ficavam lá durante a Primavera e o Verão e eram recolhidos no Outono. No entanto, uma inundação grande destruiu tudo. Está ao abandono desde então”. Dirige o braço para o lado esquerdo do convés. “É possível vê-la lá ao fundo”. Retiro a teleobjetiva do saco e fotografo-a na aproximação máxima. Surpreendo-me ao ver a imagem. A estrutura edificada é bem maior do que tinha imaginado. “O proprietário chegou a tê-la à venda por oito milhões”, afirma Estevão, sorridente.




Continuamos a navegar e a usufruir da serenidade, que se mantém incólume, mesmo na zona onde a água doce se reúne com a do mar, no canal do Rio Novo do Príncipe. Entretanto, o sol já abriu e começou a alimentar as sete baterias do Gaivinha. “Nos dias de sol não temos qualquer problema de autonomia”, diz o skiper, acrescentando que a embarcação está equipada com seis painéis solares. “Com lusco-fusco, temos entre seis a oito horas de navegação”.







Subitamente, faz uma pausa e aponta para um braço de terra onde se ergue um palheiro degradado, rodeado por vegetação. Para lá do capim, um bando de flamingos deambula tranquilamente pelo leito raso da ria, alheio à nossa presença.







“O facto do nosso barco ser tão silencioso, permite este tipo de encontros”, afirma Estevão, revelando uma das principais atrações da tour: o birdwatching. “Uma das nossas clientes foi surpreendida pela presença de uma águia pesqueira e um bando de garças reais; não estava à espera, chorou de alegria”, conta Sandra. “O mais engraçado é que ela era de Aveiro”, complementa Estevão. “Recebemos muitos clientes da região que não conhecem bem a ria e a grande diversidade de aves que aqui existe”. Destaca os flamingos, as cegonhas, as garças-brancas, as águias-pesqueiras, os maçaricos-reais, as narcejas, os borrelos, as garças reais e, claro, as gaivinhas. “As pessoas ficam verdadeiramente surpreendidas”.




E, de facto, é uma sensação que perdura. Já no regresso, após uma manhã inteira na ria, continuo surpreendido com a leveza com que o Gaivinha parece flutuar na água. Percebo a hashtag que Sandra tentas vezes usa a acompanhar as publicações da atividade nas suas redes sociais: # o silêncio é o novo luxo. A navegação silenciosa é tão relaxante que tudo o resto parece um bónus. E não faltam bónus. Para os clientes –que quando menos esperam são brindados com espumante, fruta e doces regionais – e para a família que decidiu embarcar neste projeto de vida.

Observo-os. Sandra está sentada na proa, é a primeira a receber a brisa matinal; Estevão sorri por trás dos óculos escuros com que contempla o horizonte; o filho mais velho está compenetrado junto ao leme, um dia será um skiper; o mais novo está sempre a explorar os recantos do barco, a molhar as mãos na ria, a espreitar as aves ou a procurar o reconfortante colo da mãe. Alguns instantes depois, noto que a minha observação estava a ser observada. A empreendedora sorri e diz: “É o melhor escritório do mundo, não é?”.


8 de outubro de 2020

PROGRAMA PRE - Programa de Revitalização de Empresas


Vivemos tempos difíceis para os empresários da atividade turística. Os reflexos da crise provocada pela pandemia de covid-19 podem ser devastadores para a rentabilidade das suas empresas, pondo em causa a própria sobrevivência.
Os empresários devem, por isso, estar atentos a medidas que possibilitem a sustentabilidade dos seus negócios. Neste sentido, a AHRESP, com o apoio do Turismo Centro de Portugal e da Moneris, apresentou o Programa P.R.E. - Programa de Revitalização de Empresas.

Este Programa tem como objetivo central a revitalização das empresas e a procura de medidas que suportem a sua reorganização, para fazerem face às diversas mudanças. Para tal, presta aconselhamentos sobre apoios disponíveis e estratégias a seguir, seguindo um modelo de intervenção em três fases: 
  1. Diagnóstico Empresarial e Linhas de ação gerais; 
  2. Plano de recuperação económico-financeiro; 
  3. Modelo de recuperação e acompanhamento; 
O resultado esperado é evitar o encerramento dos estabelecimentos e a recuperação económica dos negócios.

Os interessados em aderir ao P.R.E. - Programa de Revitalização de Empresas podem inscrever-se ou pedir informações pelo endereço: apoioaoempresario@turismodocentro.pt

Consulte informação sobre o Programa  P.R.E. - Programa de Revitalização de Empresas AQUI


6 de agosto de 2020

Um Mergulho na Natureza



Atravessamos a espessa vegetação, típica de uma floresta mediterrânica e que atenua parte do calor que se faz sentir nesta tarde de Verão numa serra em Mortágua. Ao nosso lado, o som da água da Ribeira das Paredes a escorrer pela montanha abaixo complementa a sensação refrescante.
Escalamos alguns rochedos e alcançamos uma espécie de banheira de rocha, esculpida pela passagem da água ao longo dos séculos. Um a um, entramos lá dentro. 



A água parece estar fria, mas a pele, escudada pelos fatos de neoprene, apenas sente uma frescura suave, que se mistura de forma aprazível com os 33 graus que pairam no ar. O curso de água faz uma pequena curva e precipita-se numa cascata com seis metros de altura.

“Quem é o primeiro?”. Instantes de hesitação, de silêncio acompanhado do ruído nervoso da água. “Posso ser eu”. Uma voluntária abeira-se do topo da cascata, olha lá para baixo, inspira fundo.


 “Lembra-te do que te disse”. A voz vem lá em baixo. “Impulso forte para a frente, pernas juntas e braços cruzados no peito”, sublinha, mais uma vez, João Ramos. Ela olha para as amigas que aguardam, ansiosas, atrás de si. Sorri-lhes, dá um passo em frente e salta.






Os salpicos de água escorrem-lhe pelo rosto. Usou a água do cantil para lavar os dentes e a cara, a derradeira tarefa antes de ir dormir. Entusiasmado, ignorou a toalha e atirou o saco-cama para o solo empedrado da eira. Ali, onde se costumavam malhar os cereais, seria a sua cama naquela noite.

Tinha seis anos, já gostava de futebol e do outro lado do Atlântico jogava-se o mundial do México’86, mas nada disso importava. Só interessavam as noites a acampar, as manhãs a percorrer trilhos, a canoagem, o rappel, a escalada, o slide e os peddy papers, que o levavam a explorar as florestas ou as aldeias de xisto.

Era o primeiro campo de férias de João Ramos. Adorou a experiência, que se tornou uma rotina anual na Foz de Arouce, Lousã. “Passava o ano à espera desses 15 dias mágicos passados na natureza”. Após 12 anos consecutivos, tornou-se maior de idade e monitor. Depois, coordenador. Não muito depois, responsável pela organização e operacionalização de todo o campo de férias. “A minha grande paixão pelas atividades na natureza veio daí”.


Foto DNA (Rio Teixeira, São João da Serra)


No entanto, João vivia em Almada. A ligação ao Centro era familiar. E, mais tarde, académica. “Vim para Coimbra estudar Economia”. Aos 21 anos, aventurou-se num Erasmus em Verona, no Norte de Itália. “Foi incrível!”. Ficou impressionado com a organização. “Havia uma associação que ajudava a enquadrar os estudantes Erasmus em todos os aspetos, no alojamento, festas, programa social, visitas temáticas, etc”.

Em Coimbra, 2002, havia 600 estudantes Erasmus. “E não havia nada minimamente estruturado”. João colou cartazes em todas as universidades a averiguar potenciais interessados. Reuniu com eles, instituiu o pagamento de quotas para angariar dinheiro para criar uma associação juvenil, pediu uma audiência ao reitor, que lhe cedeu uma sede no Departamento de Matemática e permitiu usar o nome da Universidade de Coimbra. Em 2003, nascia a Associação Socrates Erasmus.

Para além do apoio logístico nos primeiros dias dos estudantes, organizavam festas semanais, visitas pelo país, eventos temáticos. “No fundo, queria prolongar a minha vida de Erasmus”, confessa, com um sorriso. Em 2004, realizaram o primeiro encontro nacional de Erasmus (Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz). Em 2006 – Já João trabalhava na capital, numa multinacional na área comercial e de vendas – pedem-lhe ajuda para realizar o segundo encontro. João não recusou. “Desta vez foi na Costa Alentejana, com 350 pessoas. Festas na praia, até uma festa MTV no Castelo de Sines”.
Foto DNA (Rio Teixeira, São João da Serra)


Profissionalmente, as coisas corriam-lhe bem. Mas João sentia que a qualidade de vida diminuía de ano para ano. “Chegava a fazer 13 ou 14 horas por dia. Mais uma hora de trânsito para cada lado ao passar a Ponte 25 de Abril”. Em 2008 disse basta. “Estava saturado, queria muito regressar a Coimbra, o Centro sempre me atraiu e fascinou”. Teria de sacrificar a sua área, pois a evolução da carreira passava por Lisboa ou Porto. “Tinha 28 anos e, se queria ir para a Região Centro, ia ter de encontrar o meu próprio caminho”.

A jornada empreendedora começou na restauração. No espaço de um ano, já tinha três restaurantes (Penela, Coimbra e Viseu). Alguns corriam bem, “outros nem por isso”. Em 2010, decidiu que esse não era ainda o caminho. “Deu-me muita aprendizagem, deu-me currículo, mas não guardo saudades. Não voltaria a ter um restaurante, garantidamente.” 

Foto DNA (Ribeira das Paredes, Mortágua, Inverno)


Nesse mesmo ano, experimenta a atividade de Canyoning no Rio Frade (Arouca), que envolve a descida de um rio de montanha por dentro de um desfiladeiro com recurso a técnicas como caminhada aquática, descida em rapel e saltos. João apaixonou-se pela atividade e, logo nessa tarde, começou a percecionar “a vertente e o posicionamento do negócio”.

No Verão, criou a DNA Travel and Events, uma empresa com sede na lousã, “pela ligação da infância à serra”, dedicada às atividades de turismo de ar livre: Pedestrianismo, escalada, espeleologia, rapel e Canyoning. Já passaram 10 anos e esta última continua a ser a sua preferida. “O contacto com a natureza, a água, a frescura, a adrenalina dos saltos. Costumo chamar-lhe: um mergulho na natureza”.
Foto DNA (Rio de Frades, Arouca)

Catarina emerge das águas verde esmeralda e dá dois toques no capacete, sinal que “está tudo bem”. “Espetáculo! Bora!”, grita lá para cima, a encorajar a amiga que vai saltar a seguir. João sorri, está habituado a este receio inicial, que se desvanece com naturalidade à medida que a atividade vai progredindo e os saltos se vão acumulando. Já fez canyoning aqui dezenas de vezes e apesar de conhecer bem o local, faz sempre um reconhecimento prévio de todas as lagoas. “O rio é dinâmico, o que ontem não estava submerso aqui, hoje pode estar”. Por isso, é o primeiro a descer. Nada, mergulha, analisa detalhadamente o fundo da lagoa e só depois dá ordem para se iniciarem os saltos.
Um a um, os sete participantes saltam para a água. Eu sou o sétimo.



Segue-se uma descida em rapel numa cascata com 13 metros. Gonçalo Veríssimo, o monitor, prende o mosquetão ao meu arnês e dá-me as instruções. Refiro que já fiz rapel, mas ele sublinha na mesma todas as manobras. “Pernas afastadas, mão direita controla a descida”. Depois de assimilarmos as técnicas, o rapel deixa de ser uma atividade intimidante, pois apercebemo-nos que temos controlo total do que acontece. E se algo fugir do nosso controlo, há “uma rede de segurança”. Lá em baixo, João segura a corda e “faz a segurança”. “Basta esticar a corda e a pessoa não sai do sítio”, refere.




A descida inicia-se numa superfície de rocha lisa que se prolonga alguns metros, até se precipitar numa parede mais vertical, mas revestida de vegetação, o que aumenta a tração.
Do lado direito da cascata há dois troncos de árvore que tombaram e a acompanham até à lagoa. Estes oferecem um ar mais selvagem ao cenário e transformam-se num ponto de descanso para os mais afoitos. 




É lá onde estão Sofia Silva (30) e Ricardo Briales (27). Ela tem descendência portuguesa e nasceu em França. Ele tem descendência espanhola e nasceu na África-do-Sul. Vivem juntos em Málaga há seis anos e decidiram vir passar as férias de Verão ao Centro de Portugal.

“É mais tranquilo e adoro a diversidade, temos cidades, natureza, aldeias apaixonantes, desporto, aventura”, diz Sofia. Já tiveram aulas de surf na Praia da Barra, em Ílhavo, e agora decidiram estrear-se no canyoning. “Estávamos com desejo de aventura e isto é perfeito, é divertido, tem adrenalina, é refrescante. É algo bonito de ser compartilhado, de ser experienciado em conjunto”.

A próxima paragem é na Serra da Estrela. “Queremos fazer trilhos e comer. Comer muito queijo da serra!”, afirma, num sorriso partilhado com Ricardo, que já se rendeu à nossa gastronomia: “Come-se muito bem cá, servem muito bem, isto é uma joia autêntica”. Nos próximos dias vão chegar alguns amigos de Espanha. “Vamos apresentar-lhes um pouco de tudo”, diz ela. “Vamos a conocer todas las caras del Centro de Portugal”, diz ele.




A alguns metros atrás, o som da cascata não impediu João de ouvir a expressão “desejo de aventura”. Mais tarde iria sugerir ao casal a atividade de espeleologia (exploração de grutas). “É um admirável mundo novo, partimos para outra dimensão, o silêncio é total e desligamos de tudo. Não é tanto um desafio físico, mas psicológico”. É uma atividade que a DNA organiza nas Grutas do Soprador do Carvalho (Penela), Algarinho (Penela) e Arrifana (Condeixa-a-nova).






Já vamos a meio da manhã e o sol está quase a pique no céu. Nado até um rochedo, sento-me e retiro da mochila o boião estanque onde está a máquina fotografia e as objetivas. “Só me esqueci de trazer um cantil com água”, penso. Nesse preciso instante, vejo o João, debaixo da cascata, a refrescar-se e a beber diretamente da queda de água. Mergulho até lá, enquanto constato a ironia do meu pensamento anterior. “Seria como trazer areia para o deserto”.



João sorri e acrescenta que este curso de água foi, precisamente, a única fonte disponível do exército de napoleão, durante a retirada após a derrota na batalha do Bussaco (1810). “Durante a invasão, o exército anglo-luso recorreu à política de terra queimada, tudo o que estava no rumo do inimigo era queimado, os poços de água eram envenenados. Era uma forma de desgastar o exército francês. Após a batalha, estes tiveram de voltar a Mortágua, para recuperar os feridos, enterrar os mortos e encontrar um caminho para Sul. Houve alguém que lhes indicou a passagem de Boialvo, não cartografada, que os fez contornar a Norte toda a cordilheira da Serra do Bussaco. Nessa jornada, esta Ribeira das Paredes era o único ponto de água intacto”.






Explica-me que organiza também experiências de turismo militar, com visitas guiadas pela “mão do general Wellington” no local da célebre batalha. “Não estamos apenas a ver algo como num museu, estamos a caminhar pelo atual percurso onde se deu a batalha e podemos visualmente perceber toda a estratégia militar montada, com uma forte componente de storytelling”.

Acrescenta que organiza um “vasto número” deste tipo de experiências turísticas. A designação da empresa, DNA é uma sigla que significa “Desporto, Natureza e Aventura”, mas é também um trocadilho genético. “Fazemos sempre algo com identidade própria. Queremos diferenciar-nos por ter uma relação afetiva com os clientes e por criar experiências únicas, sempre em redor do imaginário e da construção de histórias”.



Há eventos como o “CSI na Quinta das Lágrimas”, onde é recriada a morte de Inês de Castro e os participantes têm de investigar tudo o que aconteceu; o “Enólogo por um dia”, em parceria com a Boas Quintas, onde os participantes têm de criar o seu próprio vinho. “No jantar há um concurso onde é eleito o melhor vinho, o melhor rótulo, o melhor nome e até o melhor slogan”; ou visitas a aldeia de xisto, onde os visitantes são recebidos por pastor serrano, desconhecendo que se trata de um ator que vai originar um conjunto de acontecimentos.

“Tudo isto sob uma lógica onde juntamos as quatro dimensões da sustentabilidade: componente ambiental, a social, a cultural - recuperar tradições e apoiar comunidades locais na promoção de recursos endógenos - e a económica, que gera um efeito multiplicador no território”, afirma João. “Há excursões com 50 pessoas que chegam, passeiam, metem-se no autocarro e vão embora, sem deixar valor no território”. Explica que a DNA renega essa tendência. “Há muitas coisas que até podíamos fazer autonomamente, mas preferimos subcontratar entidades locais e pequenas empresas para fazermos em parceria. Ganhamos todos”.
Foto DNA (Rio de Frades, Arouca)





E a aventura prossegue. Segue-se a prova mais desafiante. Uma descida em rapel numa cascata com 30 metros de altura. Em pleno verão há menos água a cair. “Ela transfigura-se completamente noutras altura do ano”, refere João. Contemplo o fio de água, que se perde de vista no desfiladeiro e irá afluir à Ribeira de Mortágua que, por sua vez, desagua no Rio Mondego. 




Mas, apesar de um pouco mais despida de água, a cascata continua imponente. Já passaram por aqui muitas histórias de superação. Pessoas que não acreditavam ser capazes de fazer a descida e que depois, já cá em baixo, não cabiam em si de contentes pela conquista. “Se alguém tiver mais receio, um de nós faz a descida lado a lado com ela. Já aconteceu uma vez e a participante não só superou o medo, como ficou fã desta atividade e já fez mais canyonings connosco noutros rios”, diz João.

Refere que a DNA promove “proactivamente” rios locais, como esta Ribeira das Paredes (Mortágua), a Ribeira de Quelhas (Castanheira de Pera, Lousã), o Rio Frades (Arouca) e o Rio Teixeira (São João da Serra). “Depois, com grupos fechados, vamos a outros, como o Gerês ou Vila Real, onde temos o Rio Poio, que é o ex-libris da atividade em Portugal continental”.






As Catarinas são as primeiras a descer. São três: Catarina Santos (22), Catarina Silva (22) e Catarina Henriques (24). O elo homónimo é quebrado por Didiana Mariana (20). As quatro conheceram-se a fazer voluntariado em Moçambique. Costumam passar sempre dois meses de Verão em África, a dar aulas e organizar atividades de animação com crianças. Uma prática interrompida este ano, pela presente pandemia. 

Decidiram encontrar-se e fazer algo juntas. Escolheram canyoning. “Era algo que já queríamos fazer há muito tempo, mas só agora tivemos oportunidade. Uma atividade juntas, na natureza e também radical. Está a ser perfeito”; “Top, repetia já hoje”; “Até eu, que sou um pouco medricas com as alturas, já estou pronta para agendar o próximo”, são alguns dos testemunhos que soltam, entusiasmadas, já na lagoa onde se precipita a cascata. Desceram todas de forma irrepreensível, apoiando-se e encorajando-se mutuamente. 




“Para quem nunca fez a atividade, este é um rio excelente para uma estreia, é divertido e muito bom para se vencerem medos”, refere João. “Posteriormente, podem regressar com mais caudal de água ou vão fazer um rio mais desafiante”.

O trabalho de equipa demonstrado pelo grupo de jovens, mais do que familiar, é intrínseco à atividade da DNA. Paralelamente ao turismo na natureza, a empresa especializou-se na organização de teambuildings para empresas. 

“Uma grande fatia do nosso volume de negócios são eventos corporate”, afirma João. “Criámos teambuildings com identidade DNA, com um portefólio com 15 a 20 atividades interessantes e divertidas e, simultaneamente, centradas no trabalho de equipa, na resolução de conflitos, nas dinâmicas win win, tudo com uma linguagem que está alinhada com o que as organizações entendem”, assegura. “Após cinco anos em multinacionais, percebo bem os desafios do outro lado, o que querem, o que procuram, o que necessitam”.



Desde um assalto às muralhas de um castelo do século XII, com um exército de 130 funcionários liderados por um cavaleiro medieval e que, entre outras provas, terão de fazer rapel, escalada, slide e tirolesa, a equipas que têm de explorar zonas místicas da Serra da Lousã em busca de Druidas que os ajudem a conseguir a fórmula do elixir da juventude, há um pouco de tudo no portefólio da DNA.
“Independentemente de todo o imaginário e da construção das histórias, há sempre uma dinâmica personalizada consoante a empresa em questão. E o trabalho de equipa é sempre fulcral para obter resultados”, assegura.



Gonçalo é o último a descer. Desce “em dupla”, com a corda de 70 metros dobrada em dois, de forma a poder recuperá-la cá em baixo. “É por isso que é fundamental ter, no mínimo, o dobro do comprimento da corda em relação à altura da queda de água que vamos fazer”, explica o monitor. 

Segue-se mais um salto, desta vez de cinco metros. Todos são bem realizados. Há até quem queira subir – seguindo um trilho ao lado da lagoa – e repetir. Poucos metros à frente, há mais um. O derradeiro, que culmina numa lagoa mais larga e, por ser inteiramente banhada pelo sol, mais transparente do que as anteriores. Há algumas pessoas a nadar e outras, curiosas, estão sentadas na margem a observar a atividade. “Quem não quiser fazer o canyoning, pode esperar nesta linda lagoa, a refrescar-se e a ver os familiares ou amigos a descer a cascata”, salienta João. 



Nesse preciso instante, surge Hugo Teixeira Francisco, sócio de João, na companhia do vlogger Marco Neiva, que está a fazer a N2 de bicicleta e tenta captar imagens dos interesses turísticos de todos os municípios que atravessa. Hoje é o dia de Mortágua e pretende captar algumas imagens de canyoning com recurso a drone. Hugo orquestrou esse encontro. É o responsável pelas relações públicas, marketing e comunicação geral da empresa.








João e Hugo conheceram-se no programa de aceleração Newton, organizado pelo Instituto Pedro Nunes. Hugo era sócio de outro operador turístico. Constataram que partilhavam visões e trabalhavam bem juntos. Começaram a delinear planos e estruturar ofertas. Em Janeiro de 2019, Hugo vendeu a sua participação na outra empresa, apertou a mão a João e lançaram-se num empreendimento conjunto, a Portugal Green Travel. “Sentimos a necessidade de evoluir para uma agência de viagens”, refere João. O “green” é, mais uma vez, alusivo à sustentabilidade. “Trabalhamos o território nacional maioritariamente para clientes estrangeiros, com uma vocação muito clara para experiências autênticas em territórios de baixa densidade”.

Nesse âmbito, acabam de lançar um novo projeto: Foge Comigo por Portugal, uma
parceria entre a Portugal Green Travel e a editora Foge comigo (especializada em guias turísticos), onde são criadas escapadinhas, acessíveis através da compra um voucher de um destino e que inclui o guia “Foge Comigo” e duas noites de estadia em Turismo de Espaço Rural. “Neste momento estamos a comercializar programas nos seguintes destinos/guias: Estrada Nacional 2, Beira Baixa, Serra do Buçaco e Alto Alentejo”, informa Hugo.


Foto DNA (Publituris Road Show, Aveiro)


Entretanto, Hugo tornou-se também sócio da DNA. “Complementamo-nos muito bem, as coisas que ele faz bem não são a minha praia e vice-versa”, refere, sorridente. “Ele é economista, eu sou de Turismo, a coisa equilibra-se, por sermos diferentes trabalhamos muito bem juntos e estamos em plena sintonia em tudo o que é fundamental na gestão que fazemos”. 

Foto DNA (via ferrata, Oleiros)


Hugo também vivia um quotidiano bem diferente do que este. Passou por hotéis, agências de viagens, camaras municipais, foi até consultor de comunicação para empresas norte-americanas em Angola e esteve nove anos ligado à Ryanair. “Estava habituado a estruturas multinacionais gigantes e agora toda a gente faz de tudo um pouco. Mas gostamos muito do que fazemos, todos os dias vou trabalhar, mas não é trabalho. Por isso, de vez em quando, até temos alguma dificuldade em desligar. Temos muito orgulho nas marcas que criamos e estamos a ver crescer e, acima de tudo, que fazem a diferença no panorama regional e nacional da oferta turística”.



João aproxima-se, com gotas de água a pingar do seu fato de neoprene, capacete debaixo do braço, cordas ao ombro e um sorriso do tamanho da maior cascata do dia. Está terminado o seu mergulho na natureza de hoje. Voltou as costas à lagoa como quem apaga a luz do escritório. “Saímos daqui cansados, mas renovados na alma”.





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