25 de junho de 2020

Indústria Central: Onde se fabricou o sonho da Rita (I)



Abril de 2019. Faltavam poucos dias para a Páscoa e Rita Cassilda estava a fazer folares numa padaria em Penacova. De tempo a tempo, limpava a farinha das mãos para consultar o telemóvel e fazer refresh no mural da página do Facebook do Apoio ao Investimento Turístico do Turismo Centro de Portugal. A qualquer momento iam ser anunciados os finalistas do Prémio José Manuel Alves, concurso de empreendimento turístico organizado anualmente por essa entidade. Rita já tinha participado no ano anterior e não tinha sido apurada.

No entanto, estava confiante na renovação que tinha dado ao seu Indústria Central, um projeto que assenta numa plataforma física de promoção e centralização de serviços e produtos de todos os municípios do Centro de Portugal, instalada numa antiga zona industrial de extração de inertes em Penacova, reabilitada e transformada para esse efeito.

Esse fora o negócio da sua família durante décadas. Na infância, Rita lembra-se das tardes lá passadas a brincar e a deslizar, sentada num pedaço de chapa, naqueles enormes montes de areia que pareciam dunas do deserto aos olhos de uma menina de cinco anos. Chegou a ter vários desses trenós artesanais metálicos, que o pai construía a partir de uma velha porta de um camião ou de outros materiais soldados. “É bem inventor, o meu pai”.



Os anos passaram, Rita apaixonou-se pelas artes e quis seguir dança. No entanto, os pais convenceram-na a enveredar por outras áreas. “Saúde ou ciências”. Acabou por entrar em Biologia. Hoje, com 29 anos, olha para trás e ri-se da menina que tinha pavor dos bichos e dos bosques. “Graças a essa pressão – aproveito para agradecer à minha mãe por ela – esse pavor virou amor e agora entendo a magia deste mundo natural, da nossa casa Terra e da importância de um ecossistema equilibrado que sustenta o Homem”.

Concluído o curso, trabalhou três anos em educação ambiental com pessoas com necessidades educativas especiais e também numa cooperativa agrícola de cogumelos. Após esse período, ingressou num mestrado em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal da Universidade de Coimbra e desenvolveu a tese com uma start-up, a Cool Farm. “Apresentava uma solução inovadora, uma ferramenta de controlo em estufas ou terrenos de produção agrícola”. Nessa altura, passou imenso tempo em Londres e Barcelona.

Fotografia drone: Rodrigo Oliveira

Quando regressou de vez a Portugal, veio cheia de ideias. Desenvolveu colaborações com entidades locais nas áreas da educação, restauração e atividades de desporto na natureza. No entanto, Rita sentia que faltava algo. “Uma zona de paragem e de descanso, mas também um elemento que interligasse o Norte e o Sul do país, tal como as pessoas e os negócios. Uma espécie de base, um hub colaborativo de partilha de conhecimento, produtos, serviços, riscos, clientes”.

Rita imaginou logo esse espaço no edifício e nos terrenos do seu negócio de família, que estava encerrado e abandonado há anos. “Via-o como uma ilha de terreno abraçada pela IP3 e N2 que funcionaria como o meeting point do Portugal Central, interligando rotas e património de uma forma colaborativa, procurando soluções que permitissem um relacionamento mais harmonioso com o nosso ambiente natural”.


Maqueta do projeto Indústria Central
Maqueta do projeto Indústria Central

Na sua mente também estava previsto um espaço de hospedagem. “O primeiro hostel industrial do centro de Portugal”, afirma Rita, a sorrir. “Algo que permita agilizar melhor a permanência de grupos e a partilha de competências para executar as atividades de restauro e construção e o consumo de serviços e produtos associados a uma estadia”.




Passou noites em frente ao computador a pesquisar, transferiu ideias para o papel, procurou programas de aceleração. Inscreveu-se no “TEC: Transformar, Empreender e Criar”, promovido pelo IEBA (Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais) e pela AEDP (Associação Empresarial de Poiares). “Foi o meu primeiro bootcamp, na altura idealizei uma paragem de serviço que mais parecia um parque de diversões e que, no mínimo, ia custar dois milhões de euros”, refere, entre gargalhadas. 

Maqueta do projeto Indústria Central





Tudo era aprendizagem. Até as experiências menos boas. “Nos primeiros contactos com empreendedores sentia-me muito sozinha porque tanto os programas como as pessoas estavam formatadas para só ver os números”. O seu Indústria Central visava inspirar as pessoas a trabalharem integradas com o ecossistema, em cooperação logística, criativa e funcional. “O meu projeto ia resolver os problemas apresentados por vários empreendedores, mas mesmo assim, cada um insistia no 'cada um por si'”.

Mas Rita não desanimou e prosseguiu a sua caminhada. Algumas noites depois, deparou com um vídeo sobre lifestyle consciente e em harmonia com a natureza no Centro de Portugal, elaborado pelo projeto Wildlings.

Trata-se de uma plataforma criada por Lynn Mylou, holandesa de 36 anos (os últimos três a viver em Arganil), em parceria com jovens portugueses e estrangeiros, com o intuito de ativar o património humano e natural numa das zonas mais desertificadas de Portugal, o Pinhal Interior. Qualificados e cheios de competências, os wildlings organizam-se numa plataforma com conteúdos pedagógicos com o objetivo de inspirar um estilo de vida mais calmo, com qualidade e maior ligação à natureza.
“Foi uma lufada de ar fresco porque confirmou que a minha visão era possível”.




No dia seguinte, foi ainda mais motivada a uma conferência sobre linhas de financiamento. Na audiência, avistou um rosto que lhe era familiar. “Não acredito, é a Lynn”. Abordou-a, conversaram sobre “a redefinição dos luxos da vida”, encontraram ideias comuns. “Mesmo em idiomas diferentes, falamos a mesma linguagem”.

Rita envolveu-se no projeto e, inclusivamente, participou no episódio de uma websérie criada pelos wildlings que conta as histórias e motivações de jovens que escolheram esta região do interior para viver.


Rita com Lynn e a equipa de produção do vídeo


Rita idealizou que o Indústria Central funcionaria como “uma plataforma onde cada wildling mostrasse o seu talento e trabalhasse com as comunidades, demonstrando que é possível criar soluções harmoniosas com a natureza e mais rentáveis a curto, médio e longo prazo”. 




Já com o seu projeto mais fortalecido, Rita voltou aos programas de aceleração. Participou no “Fábrica de Startups” (Escola de Hotelaria de Coimbra) e no “Startup Olé – Salamanca”.

Com confiança redobrada, endereçou a nova candidatura ao Prémio José Manuel Alves. “Com ferramentas adequadas, muito trabalho, formações e estudo, elaborarei o que hoje é um plano estratégico e sustentável”.

O ecrã do telemóvel já estava branco. Impaciente, Rita já o consultava com as mãos cheias de farinha. Às 16:26 daquele 18 de Abril, ouviu-se um berro em toda a padaria. Todos os olhos se debruçaram sobre Rita, que esfregava o aparelho freneticamente, tentando certificar-se do que estava a ver. “Tinham acabado de publicar e o Indústria Central lá estava entre os finalistas”, afirma, com um sorriso rasgado. “O meu êxtase parou a produção e a alegria contagiou até o coelho da Páscoa”.


A distinção era uma vitória para a jovem empreendedora e para todo o percurso que tinha feito. “Significava que as entidades que gerem as necessidades e oportunidades do turismo em Portugal estavam conectadas com o propósito do meu projeto. Era mais uma voz a dizer-me que fazia sentido acontecer e executar”.

E a empreendedora ouviu-as todas, desde o início. E ouviu-a mais uma vez, quando lhe confidenciou que, por vezes, por mais que custe ao empreendedor reconhecer e aceitar isso, há acontecimentos e execuções que não dependem inteiramente da sua vontade e do seu campo de ação. Após tantos obstáculos ultrapassados, Rita deparou-se com um incontornável. A impossibilidade da cedência definitiva do espaço.

Foi um momento determinante. O caminho tinha agora duas bifurcações. De um lado, a sempre tentadora desistência. Do outro, a força para vergar uma das mais árduas resistências do empreendedorismo: Conseguir flexibilizar a inflexibilidade do que se idealizou.



Já no segundo percurso, Rita não olhou para trás. Lembrava-se bem da palavra “pivotar”, esse neologismo das start-ups – derivado do verbo inglês “to pivot”: “girar” e que significa alterar um negócio, identificando novas oportunidades com base no que já existe – tantas vezes repetido nos programas de aceleração que frequentou. 

Levava-o consigo na bagagem, juntamente com toda a experiência acumulada e com a essência do seu projeto, que permaneceu intacta quando redesenhou o conceito e o transformou na Casa Santa.
Vão poder conhecê-la e visitá-la amanhã, no segundo capítulo desta reportagem.

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