Maio de 2016. Era a primeira Primavera dos Passadiços do Paiva e também o primeiro grande evento organizado por Rui Rua, com a sua recém-inaugurada Culnatur. Uma caminhada ao longo desses idílicos oito quilómetros que acompanham a margem esquerda do Rio Paiva, no desfiladeiro conhecido como a Garganta do Paiva. 60 pessoas responderam ao desafio e o evento esgotou. Para além dessa injeção de confiança, Rui Rua levou outra que ainda hoje reforça o sistema imunitário do seu espírito empreendedor. No decurso do trajeto, houve uma paragem junto à margem do rio, conhecido pela sua corrente forte, facto que o torna um destino popular para a prática de rafting. Em determinado momento, Rui vislumbrou algo colorido à distância, a descer a toda a velocidade o caudal do rio. “Alguém já perdeu um chapéu”, pensou para si. Um pensamento que durou três segundos, até ouvir, bem alto, atrás de si: “Rui, Rui, a minha tia caiu ao rio”. Felizmente, o incidente teve um desfecho positivo (a senhora foi resgatada ilesa) e vacinou, desde cedo, Rui para lidar com a gestão de conflitos. Já passaram cinco anos desde que enveredou na caminhada do empreendedorismo, que prossegue a bom ritmo. E a transpirar saúde.
Rui cresceu em Abiul (Pombal) antiga vila alojada num vale do sopé da Serra de Sicó. Saiu de lá aos 14 anos, rumo a Pombal e, mais tarde, para Coimbra, para estudar turismo. Mas nunca perdeu a ligação emocional à sua terra de infância. Desejava voltar, mas no final do curso não via perspetivas de emprego na área. Resolveu continuar a apostar na formação e tirou um mestrado em Turismo de Interior – Educação para a Sustentabilidade. Foi nessa altura que lhe surgiu o desejo de criar o próprio emprego e investir na sua região. “No fundo, ajudar as nossas terras e aldeias com uma das melhores ferramentas para o desenvolvimento local, o turismo”.
O primeiro passo foi estratégico. Rui candidatou-se a um estágio na Câmara Municipal de Pombal. “Queria muito saber como funciona um órgão municipal, aprofundar o conhecimento do território e entender as intenções públicas para o sector do Turismo”. Foi lá que teve conhecimento do Porta Aberta, programa de incentivo ao arrendamento comercial a jovens na zona histórica de Pombal. Atravessou-a e encontrou ainda mais motivação para avançar. Isenção de taxas municipais e pagamento de água, renda acessível numa localização privilegiada e partilha de despesas fixas e de angariação de clientes com outros negócios.
A sua área de negócio estava decidida: Uma empresa de animação turística que organiza programas de lazer, no âmbito do turismo cultural, de natureza e aventura. “Sempre gostei do contacto com a natureza e de fazer algumas aventuras, conciliar isso com a cultura é a simbiose perfeita, é uma forma de apreciarmos aquilo que a terra nos deu e o que nos foi deixado pelas civilizações passadas”.
Foto: Fábio Domingues |
Seguiu-se uma visita à contabilista, que foi bombardeada com questões. Rui ainda tem o rascunho que levou consigo. “Posso vender merchandising com o meu CAE? Qual o tipo de contabilidade mais adequada para o início de atividade? Com isenção da segurança social no primeiro ano, justifica ter vencimento? Tenho de ter um programa informático de gestão comercial?”, entre outras dúvidas. Foram todas esclarecidas e a Culnatur nasceu no dia 25 de julho de 2014.
“Esse primeiro ano foi para apalpar terreno, perceber como funcionam as coisas”, afirma. Foram também momentos de networking com os outros negócios da iniciativa Porta Aberta, que Rui rapidamente transformou em parcerias. Adaptando essas áreas à sua, lançou vários produtos de merchandising, como ímanes, canecas, porta-chaves, ilustrações, cadernos de encadernação tradicional e artesanato local. “Foi algo que me deu uma rentabilidade importante nesses primeiros tempos”.
No ano seguinte, a Culnatur começou por organizar caminhadas na zona de Abiul, por entre vales, moinhos, grutas. “A presenciar a ruralidade da região”, diz Rui. Os passeios na natureza eram sempre complementados por visitas culturais, seja ao museu de arte sacra local, a praça de touros - “a mais antiga do país” - ou um monumento megalítico numa colina. Rapidamente, expandiu o campo de ação à generalidade das Terras de Sicó, com percursos no Canhão do Poio, “um dos maiores canhões fluviocársicos portugueses”, na Aldeia do Vale, no Trilho do Picoto ou no Vale do Poio Velho.
Simultaneamente, Rui foi organizando diferentes atividades, como paintball, jogos tradicionais, workshops sobre artesanato local e até um torneio anual de petanca (jogo tradicional francês que os emigrantes lusos naquele país trouxeram para Portugal na década de 60), realizado na praça de touros. Esse espírito de iniciativa brindou-o com a fama de “organizador mor” na população. “Há aqui um rapaz que organiza esse tipo de coisas”, tornou-se uma frase tradicional nas ruas de Abiul, sempre que alguém sugeria ou perguntava por atividades invulgares.
Em 2016, Rui decide “repensar” o agendamento de atividades, de forma a torná-las “mais rentáveis”, e alarga o leque das caminhadas a locais mais distantes, com programas de dia inteiro e com transporte incluído. A estreia “fora de portas” foi nos Passadiços do Paiva. O sucesso do evento levou-o a organizar caminhadas em diversos outros locais, como Piódão, Monsanto ou Sintra.
Desde então tem sido esta a aposta, dar continuidade às excursões com caminhada, sempre com a cultura como aliada. Em Tomar, ainda hoje surpreende muitos clientes quando os informa que vão poder percorrer o topo do Aqueduto dos Pegões, que há 400 anos levava a água ao Convento de Cristo. Esse troço, a 30 metros de altura na imponente estrutura e perante uma paisagem que se perde de vista é o “ponto alto” de um “programa apelativo” que Rui criou para a região, baseado na história do convento.
Mais recentemente, Rui tirou o curso de Técnico de Percursos Pedestres na Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, através do qual faz consultoria e realiza auditorias a percursos e rotas pedestres. Desenvolveu ainda um Plano Estratégico de Valorização Turística de Abiul, que serviu de base para a Junta de freguesia local fazer candidaturas a financiamentos comunitários e do Turismo de Portugal. “Estamos a aguardar as respostas”, afirma, revelando-se confiante e, acima de tudo, “orgulhoso” por poder contribuir para explorar as “muitas potencialidades” da povoação da sua infância, onde vive, presentemente, com a mulher e um novo abiulense com oito meses.
O futuro da Culnatur, mostra-se risonho. Para 2020, há já dois novos planos traçados: Pelos Trilhos do Centro e Pelos Trilhos de Sicó.
“O primeiro é uma excursão de dia inteiro para dar a conhecer alguns dos mais belos trilhos do Centro de Portugal”, informa Rui. “De manhã há uma caminhada pela natureza e à tarde uma visita cultural, terminando sempre com um lanche de produtos regionais”.
O segundo evento é um programa de meio-dia de caminhada pelas Terras de Sicó, onde será efetuado um percurso em cada um dos seis concelhos desse território (Alvaiázere, Ansião, Condeixa, Penela, Pombal e Soure). Rui anuncia que em cada uma dessas caminhadas, será oferecido um íman do respetivo concelho. “Ao participar nas seis iniciativas terão a oportunidade de ter a coleção de ímanes completa”, menciona, com um piscar de olhos.
Os ímanes têm a forma de um puzzle e, juntos, formam o território de Terras de Sicó.
Mais do que uma coleção, uma espécie de círculo que não se encerra, mas que se completa.
Também tem sido assim, a caminhada de Rui Rua. Embora a sua evolução seja linear, há algo de circular no trilho que percorre. No decurso da sua caminhada empreendedora, foi abordado pela Escola Tecnológica, Artística e Profissional de Pombal (ETAP) para dar formação na área de turismo. Hoje, para além dessas aulas, onde explica como funciona o setor e fundamenta a teoria com casos práticos da sua própria experiência, organiza um evento que visa apresentar e impulsionar os projetos de alunos que pretendem também empreender na área. Sorri sempre quando diz o nome. “Empreende Tu”.