A relação entre as empresas portuguesas e as instituições do sistema
científico e tecnológico está cada vez mais íntima e intensa. A primeira
chamada para apresentação de projectos do anterior quadro de fundos
estruturais, o QREN, mereceu o interesse de menos de 100 consórcios que
envolviam 90 empresas; sete anos depois, na primeira chamada do Portugal
2020, o número de propostas aumentou 35%, o investimento envolvido
subiu 32% para 240 milhões de euros e o número de empresas cresceu para
270. E do ano passado para 2016, essa tendência explodiu: o número de
candidaturas de consórcios de empresas, faculdades e centros de
investigação apresentadas este ano aos programas de financiamento para a
inovação e para a incorporação de ciência e tecnologia do Portugal 2020
quase duplicou, passando de 274 para 472 propostas apresentadas (mais
72%).
Estará a haver uma mudança de fundo no perfil das empresas nacionais,
que subitamente as torna mais interessadas nos contributos que as
universidades ou os chamados “centros de interface” lhes podem dar? José
Carlos Caldeira, da Agência Nacional de Inovação (ANI), que gere e
acompanha os projectos de Investigação e Desenvolvimento Colaborativo e
dinamiza o “empreendedorismo de base científica e tecnológica” até à sua
fase de financiamento não duvida: “Estamos a sentir uma evolução muito
positiva”.
Considerando as empresas que responderam à primeira chamada para
apresentação de projectos no âmbito do Portugal 2020, a ANI constatou
que metade das 270 estava a investir pela primeira vez na incorporação
de ciência e tecnologia nos seus produtos ou processos. E quase um
quarto das empresas tinha nascido há menos de três anos. “A
transferência de tecnologia para a economia está-se a valorizar e a
aprofundar. Há uma série de ideias pré-concebidas sobre esse processo
que começam a perder a validade do passado”, explica José Carlos
Caldeira, um engenheiro que trabalhou no INESC TEC e acumula um longo
currículo na ligação entre a universidade e as empresas. "Há muito que
tínhamos percebido que a ligação entre o sector privado e as
instituições de investigação iria aumentar. Mas não na escala actual”,
diz o presidente da ANI.
A adesão das empresas a consórcios para obtenção de
financiamento destinado à ciência e tecnologia não se verifica apenas
nos eixos do Portugal 2020. Também começa a haver uma pequena revolução
nas candidaturas directas de entidades nacionais ao programa europeu
Horizonte 2020, que dispõe de 78 mil milhões de euros para reforçar a
incorporação de conhecimento na economia da União.
Até 2010, os projectos portugueses apresentados ao programa ficaram
sempre abaixo de 1% do financiamento global europeu – nesse ano, os
consórcios portugueses receberam 58,8 milhões de euros de financiamento.
Mas, depois de 2010, os cortes nos programas científicos nacionais
“obrigaram-nos a concorrer aos fundos europeus”, nota José Manuel
Mendonça. Em 2012 os portugueses receberam já 109 milhões de euros, em
2014 145,4 milhões, e se no ano passado houve um recuo, este ano
Portugal obteve já 70,1 milhões de euros quando faltavam ainda
distribuir metade das verbas do programa.
No eixo do Horizonte 2020 para as pequenas e médias empresas,
Portugal contava no segundo trimestre com 49 projectos aprovados, o que
coloca o país no top 10 dos países com mais candidaturas aceites, de
acordo com o Diário de Notícias. “As empresas perderam o medo de concorrer com os europeus”, nota José Manuel Mendonça.
O
impacte económico desta dinâmica “só se faz sentir a médio prazo”,
avisa José Carlos Caldeira, mas, para já, o que vale a pena sublinhar “é
uma nova atitude quer das empresas, quer do sistema científico e
tecnológico”. No caso das universidades e centros de interface, o
recurso aos fundos estruturais ou ao Horizonte 2020 tornou-se crucial
para poder manter os seus quadros – desde a crise, o INESC TEC quase
duplicou as suas receitas, de nove para 16 milhões de euros. Nas
empresas, a mudança tem razões ainda mais profundas. Em primeiro lugar, o
que as move é o sentimento de que têm de sobreviver na exportação, onde
o mercado é mais competitivo. Mas há outra razão crucial: “nas
empresas, sejam de sectores tradicionais ou não, há uma nova geração,
com mais qualificação e com mais mundo”, conclui o presidente da ANI.
Fonte: Jornal Público