Já estava a escurecer, quando Bernhard prendeu a última estaca da tenda. Ao seu lado, Brigitte cozinhava esparguete com carne e salsa no campingaz. Era o primeiro jantar e a primeira noite do casal alemão em Portugal. Estavam na estrada há três dias. Tinham arrancado de Speyer, uma airosa cidade com telhados apalaçados no noroeste da Alemanha, atravessado França e Espanha e decidido pernoitar em Amarante. Era Agosto e a brisa noturna estava morna. Deixaram-se ficar no exterior durante algum tempo, a ouvir o som do vento nas árvores e a olhar o céu estrelado. Tinham deixado para trás uma vida construída ao longo de 30 anos. Construíram-na juntos e juntos partiram em busca de uma nova. O plano era audaz, mas não havia apreensão nos seus olhares. Tinham ponderado bem a sua decisão.
Brigitte e Bernhard Nowakowsky conheceram-se na universidade de Colónia (Alemanha) enquanto tiravam um doutoramento em Química. Apaixonaram-se, casaram, consolidaram carreiras profissionais na área. Era um emprego “bom e estável”, embora intenso e “rotineiro”. Demasiado rotineiro. “Os dias eram sempre iguais”, relembra Brigitte. A igualdade durou 20 anos, até que ambos sentiram necessidade de uma mudança. Mais tranquilidade, mais qualidade de vida, “mais tempo para sonhar e para realizar”. Traçaram um plano: iam vender a sua casa em Speyer, reunir todas as suas poupanças e viver por conta própria, investindo num empreendimento turístico num país idílico. Identificaram três candidatos, Nova Zelândia, Canadá e Portugal. Após ponderação, excluíram os dois primeiros, devido à distância e ao maior custo de investimento. “Concluímos que o Centro de Portugal era adequado, paisagens maravilhosas e rurais, aldeias históricas encantadoras com habitantes hospitaleiros e vários lugares que são Património Mundial da Unesco”.
Após muitas horas no computador a explorar websites de vendas e agências imobiliárias, fizeram uma lista com 30 propriedades interessantes, dispersas por todo o território Centro. Reservaram o Verão de 2005 para ir analisá-las pessoalmente. Na data marcada, ainda com o sol estival a nascer, colocaram todo o equipamento de campismo no Mercedes cinzento e arrancaram rumo à “grande viagem”.
Acordaram confiantes. O céu estava azul, os pássaros cantavam, havia alegria no ar. No entanto, a confiança foi abalada nas primeiras visitas, sobretudo em Mesão Frio, Cantanhede e Mealhada. A realidade não correspondia nada aos anúncios que tinham visto. “Havia propriedades em ruínas que eram mencionadas nos anúncios como imóveis ‘pronto a habitar’ ”, relembra Brigitte. “Só se fosse para ratos à procura de seres da mesma espécie”, acrescenta, sorridente.
Após uma manhã e meia tarde de desilusões, o casal chegou cansado a Figueiró dos Vinhos, onde se situava o próximo anúncio da lista. Enquanto aguardavam pelo agente imobiliário, entraram num bar e pediram dois cafés e um bolo. A proprietária trouxe-lhes dois garfos. “Que atenta!”, exclamou Brigitte. Seria a simpatia um bom presságio? Ainda a visita não tinha terminado e já tinham decidido que sim, “que era ali”. “Tinha todas as condições que procurávamos”, refere Brigitte, destacando a “boa localização”, o terreno amplo e com “muita exposição solar”, uma vinha e um bosque cheio de castanheiros, medronheiros, carvalhos e sobreiros. Seriam estas últimas árvores, mais tarde, a batizar o empreendimento.
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Foto: Quinta do Sobral |
Depois de adquirida a propriedade, o casal regressou à Alemanha para ultimar a mudança definitiva para Portugal. Durante esse período, fizeram um estágio num hotel de Hamburgo, para se prepararem para a nova área das suas vidas. Bernhard, entusiasta da culinária, ficou na cozinha e Brigitte fez um pouco de tudo, desde limpeza à receção. No início de 2006, rumaram a Portugal.
O terreno tinha duas casas. Instalaram-se numa enquanto procediam à renovação da outra. Era uma casa humilde, com “paredes fininhas”, janelas que deixavam passar correntes de ar, tetos de madeira roída por carunchos e uma lareira cujo calor fugia pela chaminé. Dependiam de geradores para poderem ter eletrodomésticos ligados em simultâneo e, em muitas noites frias, recorreram ao aquecimento do seu Mercedes. Eram tempos de sacrifício, que o casal enfrentou com determinação e resiliência, focados no objetivo e convencidos que no fim, a recompensa surgiria. Talvez por isso tenham apelidado essa sua primeira habitação portuguesa, onde viveram três anos, de “Casa Ouro”.
As reconstruções e decorações foram todas idealizadas pelo casal. Fizeram desenhos a lápis de tudo o que pretendiam, ao mais ínfimo pormenor. Desde os espelhos das casas de banho, que queriam embutidos nas paredes, à utilização de madeira e azulejos rústicos. Quando o construtor disse que ficava mais barato construir duas casas novas do que aproveitar as paredes antigas, insistiram no aproveitamento. “Queríamos manter o valor patrimonial”.
Simultaneamente, desdobraram-se em contatos para averiguar eventuais apoios. Através do Apoio ao Investimento Turístico do Turismo Centro de Portugal, descobriram fundos enquadráveis nos seus desígnios (Leadermais e PRODER). Candidataram-se. Tiveram resposta afirmativa.
Para além de reconstruir as duas casas – a outra foi carinhosamente batizada de “Casa Brigitte” – o casal construiu uma inteiramente de raiz. O Solar, que serve, simultaneamente, de habitação de Bernhard e Brigitte e de empreendimento turístico, com quatro espaçosos quartos com casas de banho privativas. Também aqui, o casal foi peremptório na materialização do que tinham idealizado. Contra os desejos da arquiteta, exigiram que os quartos tivessem 18 metros quadrados, um dos requisitos legais na Alemanha para um hotel de quatro estrelas. “Queríamos construir o solar de acordo com esses requisitos, sempre que aplicável”, afirma Brigitte.
Encomendaram tijolos térmicos para as paredes. Quando os pedreiros alertaram que não sabiam trabalhar com esse material, requisitaram uma formação ao fornecedor e instruíram os trabalhadores. Queriam ter um jardim interior, uma espécie de peristilo romano, com colunas, plantas e até um pequeno lago. “Um lago? Não vai dar”, afirmou o construtor. Mas as suas palavras esbarraram na determinação do olhar de quem tinha feito 2153 quilómetros em busca de um sonho. Foram erguidos pilares suplementares na cave e hoje o lago é uma realidade. “Tem até nenúfares e 30 peixes”, salienta Brigitte, sorridente.
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Foto: Quinta do Sobral |
O empreendimento foi batizado
Quinta do Sobral, em homenagem aos sobreiros que existem na propriedade. “São um paraíso para os passarinhos, dão sombra agradável no verão e a cortiça vende-se bem”. Essa é outra marca do empreendimento de Brigitte e Bernhard. Para além dos alojamentos, há uma firme visão de sustentabilidade que lhes orienta o rumo. Começaram por comprar um trator e alfaias agrícolas, arregaçaram as mangas e meteram as mãos na terra.
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Foto: Quinta do Sobral |
Plantaram um olival com 220 oliveiras e produzem azeite, criaram um rebanho de ovelhas (raça merino) e vendem a lã, aproveitaram os castanheiros e vendem cerca de uma tonelada de castanhas por ano, plantaram um pomar com cerca de 30 árvores que proporcionam fruta o ano inteiro, desde laranjas, limão, lima, toranja, maçãs, pêras, ameixas, cerejas, pêssegos, marmelos, dióspiros e nêsperas. Cultivam também morangos, framboesas, groselhas e kiwis.
O casal tirou ainda um curso de vinificação na Bairrada e replantou quase um hectare de vinha, com a variedades cabernet sauvignon e merlot. Planeiam produzir e comercializar vinho. O nome está ainda por definir. “Tem uma sugestão?”, questiona Bernhard, bem-disposto.
Para além da paisagem predominantemente verde, os terrenos da Quinta do Sobral têm ainda imensos animais – quase todos adotados das ruas – com quem os hóspedes podem conviver e brincar. Quatro cães, o Beno, a Tessa, o Moses e o Bosco. Este último, um bordier collie adquirido especificamente para ajudar com o rebanho. Há também dois gatos, a Minka e o Samson. “Este podia chamar-se Garfield, gosta de pizza, lasanha e bolos de nata”, revela Brigitte.
Futuramente, o casal pretende introduzir cabras-anãs e até construir uma Casa de Animais, um compartimento com 60 metros quadrados onde as albergará, juntamente com borregos, coelhos, entre outros animais.
Igualmente nos planos futuros está a intenção de tornar a quinta ainda mais sustentável, com a colocação de painéis solares, e a construção de uma unidade de alojamento T1. “É algo que falta na nossa oferta”.
A procura é maioritariamente estrangeira. Grande parte dos hospedes vêm da Alemanha, Bélgica, França e Holanda. No entanto, são cada vez mais os turistas portugueses que se “rendem aos encantos” da Quinta do Sobral. “Têm aumentado, especialmente no Verão. Em Agosto está sempre tudo cheio”.
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Foto: Quinta do Sobral |
A sazonalidade é um “problema geral na zona”. Brigitte pretende invertê-lo. “Há tanto para fazer aqui nessas alturas de menor calor; pedestrianismo, equitação, BTT, canoagem e outros desportos náuticos, escalada, visitar grutas e muito mais”. Entusiasma-se com a descrição e solta um convite: “Porque não aproveitam um fim-de-semana prolongado para vir experimentar algumas dessas atividades”?
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Foto: Quinta do Sobral |
Sempre que faz uma visita guiada à Quinta do Sobral, Brigitte é incansável na partilha dos detalhes. Revela, com entusiasmo, cada pormenor da construção ou da decoração; é percetível o orgulho que sente na transformação das casas e nas palavras elogiosas dos turistas em relação ao seu conforto.
No entanto, quando entramos na Casa Ouro, há um brilho singular que cintila no seu olhar azul-claro. Foi lá onde todos os sacrifícios se transformaram nos alicerces do empreendimento que tem hoje. Apesar da longa viagem, o primeiro quilómetro foi aqui.