14 de março de 2018

O Medronheiro Hospitaleiro


O Medronheiro ergue-se em frente ao rio Alva, no mesmo local onde outrora existiu uma casa velha. Tinha sido construída em finais do século XIX e era uma casa tradicional das Beiras, escavada na rocha de xisto e com dois andares distintos. A família vivia no andar de cima e a parte de baixo servia de curral para os animais. Nesse rés-do-chão, uma das paredes era a própria pedra. Chamavam-lhe a rocha-mãe. Em frente, havia dois moinhos de água onde se moía a farinha que todas as tardes ia ao forno e perfumava o quintal com o cheiro de pão acabado de fazer. 
Cem anos depois, em finais do século XX, um incêndio reduziu-a às quatro paredes. Tudo o resto, ardeu ou desabou. 
Do lar, restavam as memórias das vivências que, embora acesas, iam sendo apagadas pela passagem do tempo. Um dia extinguiram-se e passaram a ser apenas ruínas, que os descendentes dos antigos donos decidiram vender.

Replantado
Duas décadas e duas gerações depois, a casa estava recuperada. Uma enfermeira, Constança Costa (40) e um biólogo, Carlos Fonseca (42), foram a geração que concluiu o serviço. A preocupação em manter o traço original contribuiu para a morosidade da obra. "Houve alguma dificuldade em encontrar trabalhadores especializados em xisto e noutros materiais locais que tentámos usar na reconstrução", afirma Constança. Muitas outras tarefas foram elaboradas pelo casal. Constança relembra as muitas tardes a picar paredes, assentar tijoleiras, fazer pinturas e colocar telhas.
Em 2017, a velha casa junto ao rio Alva estava de novo em pé, convertida para turismo. Foi baptizada "O Medronheiro".



Sustentado
O casal é proprietário da Medronhalva, uma empresa sediada em São Pedro de Alva (Penacova), que tem como foco a cultura sustentável do medronheiro, um arbusto mediterrânico que existe espontaneamente em várias regiões de Portugal. Incluindo Penacova, nas regiões entre os rios Alva e Mondego, onde é apelidado de "morangueiro"."É curioso, pois o nome em inglês desta planta é 'strawberry tree', o que reforça a designação local", refere Constança. Já o nome cientifico é arbutus unedo. Este último termo latino deriva de "unus" (um só) e "edo" (comer) e será uma alusão à fama dos seus frutos poderem embriagar se consumidos em excesso, devido à quantidade de álcool que contêm quando maduros.
A Medronhalva plantou 20 hectares de medronheiros. Em Maio de 2017, tornou-se o primeiro medronhal do mundo a obter certificação florestal FSC, que certifica gestão florestal com benefícios ambientais, sociais e económicos. 

Distinguido
A Medronhalva criou a Terras de Mondalva, uma marca para os seus produtos. Um deles é o turismo de experiências, que tem como base a unidade de alojamento local 'O Medronheiro', "de onde se parte em busca de diversas e genuínas experiências nos nossos medronhais e por toda a região dos vales do Alva e Mondego", diz Constança. Foi com essa premissa que concorreu ao concurso anual de empreendedorismo turístico (Prémio José Manuel Alves) do Apoio ao Investimento Turístico do Turismo do Centro. "O concurso surgiu como uma oportunidade de promoção do projeto, de aprendizagem e de partilha com outros empreendedores", afirma Constança.
Quando saíram os resultados, a Terras de Mondalva estava nos oito finalistas. "Encarámos como um reconhecimento de que o nosso projeto tem futuro e de que o caminho que estamos a percorrer é o mais correto", refere. "Creio que o júri terá entendido que o facto deste projeto assentar na cultura, valorização e promoção de um produto nativo e endógeno do qual partem diversos usos, experiências únicas e genuínas que podem ser partilhadas com os nossos hóspedes, é um fator de valorização do território e das pessoas que nele vivem", complementa.

Hospitaleiro
Em finais de Junho, com um extenso medronhal nas traseiras e a margem de um rio à sua frente, o Medronheiro abre as suas portas. Alguns dias depois, chegavam os primeiros hóspedes. Uma família alemã, que estava a percorrer Portugal de Norte a Sul. Vinham do Porto e seguiam para o Algarve. A meio da aventura, ficaram sete dias no Medronheiro. "Ficaram logo encantados com os detalhes genuínos da casa, como a cova escavada na rocha-mãe que servia de bebedouro para os animais, com a beleza do espaço circundante e com a doçaria típica conventual do nosso concelho, os pastéis de Lorvão, com que os presenteámos à chegada", afirma Constança.


Ameaçado
Nesse Outono, estava prevista a colheita dos medronhos, destinados ao mercado dos frutos frescos. No dia 14 de Outubro, Carlos passou a tarde de sábado a colhê-los dos medronheiros. Balde após balde, terminou o dia cansado, mas gratificado com os primeiros frutos do seu projecto. Tinha previsto um domingo igualmente árduo. Acabaria por sê-lo, mas pelos piores motivos.
Nesse fatídico dia, deflagraram 523 incêndios no território nacional. Arderam mais de 50 mil hectares e morreram 45 pessoas. Penacova foi uma das zonas afectadas.


Carlos e os vizinhos passaram horas com mangueiras e baldes a tentar salvar o Medronheiro, tal como todo o casario da praia fluvial do Vimieiro. "Estávamos a salvar as casas e a ver os medronheiros a arder", afirmou na altura Carlos à revista Visão.
As casas salvaram-se, mas o medronhal ficou reduzido a cinzas.

Resiliente
As reservas para o dia 17 de Outubro não foram as únicas a ser canceladas. "Sentimos um decréscimo de reservas no pós-incêndio", afirma Constança. "No entanto, esse decréscimo já está a ser superado com as reservas para a época de primavera/verão deste ano", complementa.
Continuam a ser mais estrangeiros a procurar refúgio na tranquilidade do Medronheiro. "Oitenta por centro dos nossos clientes", esclarece Constança. Revela-se confiante e motivada para o futuro: "Pretendemos aumentar a nossa oferta em termos de alojamento turístico e de produtos associados, tornando este espaço e estas experiências mais atrativas para quem nos visita e pretende usufruir da nossa oferta genuína".
Um olhar foge para a encosta, onde diversas cores começam a vencer a batalha contra o cinzento escuro. Um suspiro de nostalgia precede um sorriso convicto: "Vamos reerguer o primeiro Medronhal certificado do mundo!"



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