16 de fevereiro de 2018

Turismo experiencial (des)tranca portas no Centro (Capítulo I)




Os escape rooms são uma atividade de turismo experiencial em expansão em Portugal. 
O desígnio é simples: Cinco pessoas são trancadas numa sala e têm 60 minutos para escapar. Para conseguir, vão ter de seguir várias pistas, aceder a passagens secretas, desvendar enigmas e, acima de tudo, trabalhar em equipa. É uma experiência completamente imersiva, as salas são temáticas e têm uma narrativa específica que cria uma atmosfera que envolve os participantes. Turistas, grupos de amigos, famílias, festas de aniversário, despedidas de solteiro(a) e eventos de team bulding para empresas, os públicos são muito diversificados. São vários os espaços em actividade na zona Centro do país. Por trás de cada escape room há um empreendedor que se apaixonou pela actividade e decidiu arriscar. Destrancaram-nos as suas portas e partilharam connosco as suas motivações, lutas e desígnios por trás de um investimento. Chamam-lhes Game Masters. Estas são as suas histórias.


Puzzle Room
Salas: “Projecto 22” e “A Missão”
Website:
Puzzle Room


Foi naquela casa que Amadeu Vilaça viveu. Foi lá que estudou, que leu até os olhos doerem, que organizou tertúlias madrugada fora para desafiar quem ousasse combatê-lo no seu campo: o intelectual. E foi lá que desapareceu. No Bairro Marechal Carmona, em Coimbra, ninguém sabe o que aconteceu a Amadeu Vilaça. Há quem diga que viajou. Outros, juram que as suas faculdades intelectuais eram potenciadas por algo sobrenatural e que, inevitavelmente, pagou o preço desse vil acordo. Indiferente a toda a especulação, a casa com o número 22 permaneceu ali, intocada e congelada no tempo. 50 anos depois, as suas portas estão abertas para quem a quiser explorar e desvendar os seus segredos.


João Alves tropeçou no conceito dos escape rooms em Dezembro de 2014, durante uma sessão de teambuilding da agência de publicidade onde estava fazer uma formação. Foi no Puzzle Room em Lisboa. Saiu da sala fascinado e assombrado por um pensamento: “Isto tem tudo para resultar em Coimbra”. Encheu os proprietários de perguntas, pesquisou informações, fez propostas de parcerias. Do outro lado, encontrou recetividade e apoio. “Vamos a isto”. João agarrou o conceito e subiu a A1 com ele. Nunca mais o largou. 

Aproveitou uma casa devoluta num bairro da cidade, fez as obras necessárias, adquiriu os materiais, instalou câmaras em todo o lado. Foi-se habituando à sua presença. Num dos primeiros dias, após preparar a sala de jogo, sentou-se na sala de controlo e viu nos monitores um vulto a atravessar uma das salas e a vir na sua direção. Acabou por constatar que era um atraso na transmissão e que o vulto era ele, mas não se livrou do susto. 

João é arquiteto e concilia a profissão com o Puzzle Room. “A arquitetura dá-me dores de cabeça, isto dá-me alegrias”. Aprecia o “contacto diversificado com as pessoas” que passam na casa 22. Grupos de amigos, turistas, viajantes que aparecem “entusiasmados e carregados de malas e mochilas”, departamentos de empresas, gabinetes de advogados que participam de fato e gravata e mergulham nas narrativas. “Os mais velhos abraçam de forma extraordinária o jogo, são mais imersivos, os mais novos tendem a ser mais competitivos”, afirma.
No entanto, não faltam exceções. Relembra, com saudade, um casal sexagenário do Porto que fez um “jogo quase perfeito”. “Muito estrategas, comunicativos, a desarrumar com critério, ela particularmente competitiva”. No final, quiseram saber o tempo da saída, segundos incluídos. “Era o 11º jogo que faziam e tinham saído em todos”.

A diversidade dos públicos e das ações dentro da sala é tão acentuada que João já teve uma aluna de psicologia a usar a atividade do Puzzle Room para a sua tese. “Assistiu a 15 jogos e registou as reações coletivas em cenários de stress induzido, a variedade de atitudes, as dinâmicas, os elementos influenciadores”, recorda.
A própria adesão está longe de ser homogénea. Em Junho de 2015, João relembra um “mês absolutamente louco”, cheio de reservas. “O Junho seguinte foi o pior mês de 2016”. A única constante é a predileção pelos fins-de-semana. “São jornadas de manhã à noite”, que João não se importava nada de “dispersar mais por toda a semana”.

Quase três anos volvidos, João considera a procura crescente. “A flecha não tem subido à velocidade que esperava”, confessa, mas assume-se satisfeito com a “subida contínua”. “Há cada vez mais gente a pedir informações, é normal, esta atividade é um fenómeno nacional, com muitas reportagens na televisão e notícias nos jornais”, complementa.


O Tripadvisor traz imensos clientes de fora. Na sala de controlo há um mapa mundo cheio de bandeirinhas coloridas. Rússia, Brasil, Angola, Austrália, Estónia, Grécia, Africa do Sul, Hong Kong. Já entrou gente de todos os continentes na porta 22 da Rua Bartolomeu Dias. João relembra um casal dessa última cidade, que fez um jogo num domingo de Páscoa. “Desconheciam o significado familiar que atribuímos a esse dia e ficaram bastante sensibilizados quando lhes expliquei”, afirma. Não escaparam, mas “saíram felizes”. 
Um choque cultural maior ocorreu com um casal do Kuwait. A mulher envergava um hijab e logo no briefing foi notória a distância e a inibição no contacto. Lá dentro, a inibição manteve-se. “Não mexas aí que isso não é teu”, advertia inúmeras vezes o marido. João, cá fora, desesperava. “Ela estava a anos luz dele, muito mais criativa, curiosa, dedutiva. Estava sempre no caminho certo, mas ele obstruía o avanço”.

O preço que se pratica em Portugal é um forte atrativo para os estrangeiros. Em imensos países, a procura já fez evoluir os preços para outros patamares. “Em Inglaterra, Alemanha, Holanda, Dinamarca, paga-se quase tanto por pessoa como cá se paga por um único grupo”. João já perdeu a conta às vezes que ouviu a frase: “Ainda não tínhamos experimentado porque no nosso país é muito caro”. Quando visitam Portugal, “levam uma barrigada de jogos feitos”.

Nesta atividade, o retorno do investimento não é demorado. “O investimento em cada jogo é sempre calculado. Procuramos que seja recuperado nos primeiros meses após o lançamento”, afirma João. Complementa de seguida: “Superada essa etapa, a preocupação centra-se na manutenção do espaço e reposição de componentes de jogo que vão sofrendo o desgaste inerente à sua utilização”.

João vislumbra um futuro muito positivo para a atividade. “O crescente número de espaços por todo o país ajuda a reforçar a ideia que as pessoas se identificam cada vez mais com esta forma de entretenimento e procuram-na em variadíssimas ocasiões”, afirma. E garante que o entusiasmo se mantém inalterado desde o primeiro dia que abriu as portas. “Quando nos apercebemos que o produto que desenvolvemos deixa os participantes felizes e com vontade de regressar, temos o melhor retorno que se pode desejar”. 

Longe vão os dias em que os vizinhos se intrigavam com o que raio se passava naquela casa com luzes vermelhas e com tanta gente aglomerada às suas portas. “Muitos já vieram experimentar”, afirma, sorridente. O sorriso estende-se a uma gargalhada quando relembra o dia em que uma senhora, após sair deslumbrada do jogo, confessou porque tinha demorado tanto a experimentar: “Ouvi dizer que se passavam coisas obscuras aqui dentro”.
O passado do local continua envolto em mistério. João desarma sempre a curiosidade com um sorriso enigmático. A casa existe, o intelectual também existiu e respirou-se erudição entre as suas paredes. Nesta história, talvez seja ténue a linha que separa realidade da ficção. 



Brain Maze
Salas: “Ground Zero” e “Hostel Ignez”
Website: Brain Maze


Ouve-se o ranger da madeira ao subir as escadas de um antigo edifício da baixa de Coimbra. No último andar, há duas portas. Escondem mistérios diferentes, mas ambos ligados à história da cidade. Não fosse essa uma das paixões de Eduardo Alves, 41 anos, proprietário do Brain Maze. Tirou arquitectura, mas a história sempre o cativou. Numa colaboração no Exploratório de Coimbra, quando via os módulos interativos para comunicar ciência, imaginava módulos interativos para comunicar História. Começou a idealizar formas de estabelecer essa comunicação, auxiliado por um outro fascínio de infância, as aventuras arqueológicas de Indiana Jones, “em palcos cheios de artefactos e cenários que ganhavam vida”.

Começou a idealizar possíveis modelos de jogo, antes sequer de conhecer o conceito dos escape rooms. Quando deparou com ele, numa tarde de inícios de 2015, concluiu que afinal o sonho não era assim tão abstrato, “era materializável”. Em meados desse mesmo ano, instalou a sala “Ground Zero” numa loja na Praça da República. Mas o espaço era demasiado pequeno e Eduardo já tinha um segundo jogo na cabeça. Começou a procurar alternativas e, por mero acaso, viu um anúncio de um imóvel no OLX. A visita ainda ia a meio e ele já sabia que aquele era o espaço. “Apaixonei-me pelo edifício, era perfeito para instalar o meu jogo novo e evoluir o primeiro”. E assim, numa antiga sede partidária onde outrora se debatia política, abriram-se as portas da Hostel Ignez, onde agora se debatem enigmas e segredos relacionados com uma das figuras históricas mais icónicas de Coimbra, Inês de Castro. “Esta é uma sala mais misteriosa, com mais suspense e com um desenrolo surpreendente”.

Quando investigava o tema, Eduardo ficou a saber que no túmulo de D. Pedro há uma inscrição enigmática: “A.E.AFIN.DO.MUDO”. Há várias interpretações, mas a que parece reunir mais consenso é: “Por ti vou até ao fim do mundo”. Afirma que essa expressão se coaduna com o seu processo de construção dos jogos, demorado e nem sempre linear, onde é preciso renovar constantemente ânimos. “A loucura, a teimosia de D. Pedro foram e continuam a ser inspiradoras para o projeto Brainmaze”, afirma, acrescentando logo de seguida: “Se acreditas que estás certo, que o caminho é por ali, mas terás de ir até ao fim do mundo para o conseguir, respiras fundo, tomas consciência e pões-te a caminho sem olhar para trás”.

A sua formação em arquitectura revelou-se profícua neste seu novo empreendimento. A reconversão do espaço, as passagens e configurações das salas, os detalhes artísticos, cénicos, a iluminação, tudo pormenores que Eduardo valoriza de forma exímia, “pelas sensações que posteriormente despertam”. E na própria criação dos jogos, onde relembra mesas cheias de papéis com desenhos, pesquisas, esquemas, cadeados e outros materiais, tudo reunido no epicentro de uma tempestade mental que, no final, tem de troar de forma tão precisa quanto genuína. 

Introduziu tecnologia nos seus puzzles, mas de forma balanceada. “Se for tudo muito automatizado, as pessoas perdem a sensação que são elas a dominar o processo”. Eduardo privilegia, sobretudo, o enredo. “Há uma lógica, uma sequência gradual escondida”, e confessa sentir imensa gratificação quando os participantes encontram esse “fio condutor”.
No final de cada atividade, tem de fazer um reset aos enigmas da sala. Antes, seguia uma checklist, agora já é um processo mecânico. “O jogo é quase uma família, convivemos com ele todos os dias”, afirma. “Sabemo-lo de cor”, como canta o Paulo Gonzo.

A seu ver, a procura deste tipo de actividade tem acelerado, “não é um boom, é um crescendo”. As reservas ocorrem a bom ritmo e recebe muitas visitas espontâneas, devido à sua localização numa das ruas pedonais mais transitadas por turistas na cidade.

Relembra algumas histórias caricatas, como um sexagenário australiano com ligações familiares a Coimbra, que ficou encantado com toda a envolvência histórica de “Ground Zero”. “Esteve atento a todos os detalhes, bebeu imenso do enredo, mais tarde escreveu-me, entusiasmado, a agradecer a experiência”, relembra Eduardo. Ou ainda, um casal de israelitas que, circunstancialmente, se assustaram verdadeiramente no decurso do mesmo jogo, devido a uma situação específica que não pode ser descortinada sem revelar surpresas que devem ser vividas na sala. 

Três anos decorridos, Eduardo afirma que a rentabilidade do investimento tem sido um processo gradual. “Nesta atividade o investimento de tempo é maior do que o financeiro”, sublinha, salientando que “são cada vez mais os frutos” que vai colhendo. Motivado, já pensa em semear uma nova árvore: “Estou a idealizar um terceiro jogo”.

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