Anos 90, aldeia de Santo Amaro, Penela. O Pedro costumava brincar na garagem enquanto o avô trabalhava na velha mesa de madeira, encostada estrategicamente num canto onde recebia a luz de uma pequena janela. Tinha várias gavetas, onde ele arrumava as ferramentas que usava naquele que era um dos seus hobbies, a carpintaria. Passava lá tardes inteiras, a transformar matéria-prima no que desejava.
O Pedro carregou essa memória consigo. Ao longo da infância, ao longo dos estudos em Ciências do Desporto, ao longo dos anos enquanto monitor num parque aventura. Decidiu que um dia, seria ele a transformar matéria-prima no que desejava: ser empreendedor. Hoje, essa mesa está no meio do parque verde da Vila de Espinhal (Penela). É atrás dela que ele está sentado, juntamente com os seus três convidados, na conferência de imprensa da inauguração oficial do seu próprio negócio. O Expertree, um inovador parque de arborismo, onde os participantes caminham junto às copas das árvores. Pousa o microfone na mesa e debruça o olhar sobre ela. Os anos deixaram-na cheia de cicatrizes. Está rachada, empenada e com a tinta lascada. Nesse instante, recordou todos os sacrifícios que fez para estar aqui hoje. “Isto é só o princípio”, repetiu para si, duas ou três vezes, antes de prosseguir.
Chegou 30 minutos antes da hora marcada para a entrevista. A antecedência não se devia ao nervosismo. Sabia que a prova incluía experimentar a atividade de arborismo – atividade baseada na travessia de inúmeros percursos montados no alto das árvores – e estava ansioso por começar. “Correu bem, contrataram-me na hora”, revela Pedro Tiago Mendes. Estava decidido. Ia passar o Verão dos seus 18 anos a trabalhar como monitor do Parque Aventura da Figueira da Foz, instalado no bosque da Serra da Boa Viagem.
Gostou da experiência. Voltou nos cinco verões seguintes. “O que me fascinava na atividade não eram os desafios ou a adrenalina, eram as emoções humanas”, revela. Filhos que gritavam lá do alto, todos entusiasmados: “Pai, mãe, olhem, afinal eu consigo”. Casais que se entre-ajudam ao longo do trajeto e chegam mais alto do que imaginavam. Funcionários mais introvertidos que em sessões de teambuilding empresarial se desinibem e destacam em relação aos colegas. “É uma atividade de auto-superação”.
Pedro explica que como o sistema de segurança é teoricamente infalível – é usado o sistema ‘Click It’, que permite que os praticantes progridam no percurso com pelo menos um mosquetão sempre ligado ao cabo de segurança – os participantes manejam e controlam totalmente a sua segurança, sendo o avanço uma conquista pessoal. Emocional, sensorial, psicológica. “É gratificante testemunhar isso”.
Após “vestir centenas e centenas de arneses a clientes”, Pedro achou que estava na hora de abrir o seu próprio parque. A paixão pela atividade estava alinhada com a sua veia empreendedora. Quis ir ainda mais longe. Esse desígnio arrojado ia ser implementado na sua terra. “Queria alinhar a corrente crescente do turismo na Região Centro e em Portugal com o local privilegiado e rico de recursos paisagísticos, culturais, humanos e naturais que é o concelho do Penela”.
Reuniu com antigos colegas do parque aventura, efetuou extensas pesquisas sobre arborismo na Europa e em Portugal – onde testemunhou números díspares, “França tem cerca de 500, Espanha 200 e Portugal apenas 10” –, desdobrou-se em contactos, descobriu o Apoio ao Investimento Turístico do Turismo Centro de Portugal. Quando agendou uma reunião, o seu projeto era ainda uma ideia. Uma intenção. Após ser informado sobre vários apoios enquadráveis, efetuou candidaturas. Algum tempo depois, foi informado que tinha obtido um fundo do SI2E, do Portugal 2020. A intenção solidificava-se.
Pedro não quis esperar pelos fundos – e por todo o processo burocrático inerente – para começar. Reuniu poupanças, contraiu empréstimos familiares e bancários e avançou de imediato. Construiu os primeiros quatro percursos do parque e batizou a empresa: ExperTree. “Expert é porque queremos ser os melhores e mais conhecidos. Tree porque a larga maioria dos nossos serviços têm por base a árvore”, afirma. Complementa de seguida: “A intenção é afirmar que somos conhecidos por ser especialistas nas atividades ligadas à natureza. Os dois termos ficam bem ligados. E em inglês, para dar um tom universal e atrair estrangeiros”.
No Outono, inscreveu a ExperTree no Programa Newton, programa de aceleração promovido pela RIERC - Rede de Incubadoras de Empresas da Região Centro. Já este ano, descobriu que o seu projeto era um dos finalistas. Em Fevereiro, perante o auditório do Instituto Pedro Nunes (Coimbra) recheado com diversos investidores e instituições ligadas ao turismo, apresentou o seu empreendimento num pitch de três minutos. A reação da sala foi positiva. Quando anunciaram os vencedores, o segundo lugar estava destinado à ExperTree.
“É um projeto turístico que tem como missão ‘Fazer Acontecer Emoções na Natureza’, que contribui fortemente para a atração de visitantes a um território do interior, Espinhal”, afirma Carlos Cerqueira, director de Inovação do IPN. “O Pedro Tiago Mendes é um jovem empreendedor, natural do concelho de Penela, entusiasta do desporto e da natureza, e que alia visão à capacidade de fazer acontecer, tendo por isso criado uma oferta original e consistente, e que cada vez mais se afirma neste mercado”.
Pedro ficou radiante com a distinção. “Para além de dar visibilidade, foi uma injeção de confiança, mostra-nos que estamos no bom caminho. Para além disso, o Newton permite ligar-nos mais ao tema da animação turística e reconheceu-nos a capacidade para qualificar a nossa oferta e serviços”. As instalações estavam concluídas, os testes efectuados, as distinções atribuídas. Estava na hora de fazer acontecer.
Está um dia de Março com sabor a Verão. O parque está cheio de pinheiros bravos, carvalhos, oliveiras e amieiros, cujas copas, em breve irão garantir sombra fresca. Para já, ainda não. Mas isso não é impeditivo para as dezenas e dezenas de crianças que, indiferentes ao calor, correm pelo espaço cheias de alegria. Para comemorar a ocasião, Pedro convidou várias escolas do primeiro ciclo do concelho de Penela. O convite foi correspondido com entusiasmo e o ExperTree está cheio de meninos e meninas dos seis aos nove anos que enfrentam os desafios do Percurso Amarelo com gáudio e audácia. “Há seis percursos, ordenados por cores – do amarelo ao preto – que definem os níveis de dificuldade”, explica Pedro. “No total, há 45 desafios a enfrentar”.
O empreendedor dirige o olhar para o próximo grupo. “Vamos para as árvores?”. “Simmmmmm!”, respondem as crianças em uníssono, com um tom grave a imitar o bramido de Cristiano Ronaldo. Por vezes as professoras também alinham e vestem o arnês. Nesses momentos, toda a turma faz de claque. “Professora, professora”. Incentivam vezes sem conta, até ao efusivo aplauso final quando ela termina a prova no slide. “Descer é a parte mais fixe”, confessa uma menina. Um dos miúdos chega-se à frente, de peito feito, e afirma: “Quero fazer aquele mais alto”. Refere-se a um dos percursos mais avançados. “Esses são para fazer na companhia dos vossos pais”, diz Pedro, sorridente. E de facto, são raras as crianças que não prometem regressar em breve, na companhia da família, para enfrentar os próximos desafios.
Para além de inúmeros convidados, a inauguração conta com a presença de três individualidades que deixaram o seu testemunho. O presidente da Junta de Espinhal, Luís Dias, afirmou que “agradecer cinco ou 10 vezes seria pouco pela aposta do empreendimento num sítio magnífico da região”. Rui Seoane, vice-presidente da Câmara de Penela, destacou o “jovem empreendedor, sem medo de arriscar, que executou um projeto excelente e incorpora o tipo de pessoas que fazem os concelhos crescer”. Rafael Batista, vereador do Desporto de Penela, que ensinou Pedro a nadar durante a escola primária, garantiu que “o empreendedor, seguramente, não ia ficar pelo arborismo e ia apresentar mais atividades interessantes no futuro”.
Há um sorriso matreiro no rosto do Pedro. Algumas dessas novidades já estão definidas. Uma delas é extremamente rara na região Centro ou até no país: Bubble Football. Melhor do que explicar o que se trata, é mostrar:
Outras novidades estão ainda a ser estudadas. Pedro partilha que estão a ser estabelecidas sinergias com operadores locais para atividades de aventura na natureza, como espeleologia ou canyoning. Coloca a hipótese de, futuramente, investir num parque de arborismo noutro ponto do país ou num “outro projeto arrojado na natureza”.
O microfone emite um som oco ao ser recolhido da mesa. Pedro fecha o punho e dá dois pequenos toques no tampo. “Madeira sólida, perseverante”, afirma, sorridente. É nítido um paralelismo. A estrada da ExperTree tem sido pavimentada com solidez e perseverança. “É claramente um percurso de crescimento pessoal, é um trabalho diário, árduo e duradouro. São poucas horas dormidas e menos tempo para amigos e família”. Faz uma pausa e prossegue. “Mas também é uma jornada de conquistas, prémios e reconhecimento”. Afirma que toda esta viagem de empreendedorismo, por mais longa e cansativa que seja, “compensa sempre”. Ainda com a recordação das expressões risonhas das crianças, conclui: “A nossa visão é despertar a felicidade nas pessoas. Essa visão tem sido a força com que se empurra o carro quando não há gasóleo nem bateria”.