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12 de dezembro de 2018

Irmãos Transformam Escola Primária num Banco para Turistas Assaltarem


O portão de ferro range ao ser empurrado. Está enferrujado e ligeiramente empenado. Há 12 anos que não era aberto. Dá acesso a dois edifícios, abandonados desde essa altura. Hélder e Firmino Duarte, irmãos, entram sem hesitar, ignorando os relatos de vandalismo e delinquência no espaço. Exploram os corredores empoeirados, salas grafitadas e janelas esventradas de forma descontraída. Envergam um escudo robusto e impenetrável fundido no mais resistente dos materiais: A nostalgia. Esta era a sua escola primária. Futuramente, será o seu negócio. 

O desígnio está definido e é arrojado. Os irmãos Duarte vão transformar o antiga Escola Primária de Fontes, em Alquerubim (freguesia de Albergaria-a-Velha), numa atividade de turismo experiencial cuja popularidade não pára de crescer em Portugal: Um escape room. Uma experiência imersiva, onde cinco pessoas são trancadas numa sala e enfrentam diversos desafios para conseguirem sair, antes dos fatídicos ponteiros do relógio assinalarem 60 minutos.
Não é uma estreia da dupla nesta actividade. No verão de 2016, abriram o primeiro escape room de Aveiro, o Can You Escape, cuja história contámos no segundo capítulo da nossa reportagem "Turismo Experiencial (des)tranca Portas no Centro". Dezenas, centenas, até milhares de pessoas trancadas depois, decidiram expandir a atividade. 


Para esse propósito, Hélder partilha que já tinha “os olhos neste espaço” há algum tempo. Quando, finalmente, estabeleceram um acordo de parceria com a Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, celebraram até de madrugada. “É perfeito para os nossos planos”, afirma. Sustenta essa perfeição com quatro razões. A última, não podemos revelar. “Off-the-record”, frisa Hélder. Podemos avançar que a intenção é ambiciosa e, a concretizar-se, vai traduzir-se numa inovação significativa da actividade. As outras três estão interligadas. 

“A localização geográfica”, afirma Hélder. Essa é a primeira. As suas infâncias foram passadas nesta terra e sentem vontade de a dinamizar, “de trazer gente e turismo para Albergaria-a-Velha”.
A segunda é um agradecimento. Mais ainda. Uma retribuição. Ambos aprenderam a ler e a escrever nesta escola e viveram imensos rituais de passagem nos seus recreios. As primeiras amizades, os primeiros toques na bola no intervalo das 10:30, os primeiros magustos, os primeiros papelinhos com recados secretos para as meninas, o primeiro beijo. Hoje, têm dificuldades em descrever o que sentem, quando vêem o estado degradado e cada vez mais vandalizado do edifício. 

Onde antes existiam secretárias agora há destroços de madeira, os quadros foram arrancados das paredes e abundam pedras no assoalho que testemunham os vidros que partiram. Apenas duas pequenas cadeiras parecem ter escapado ao apetite de destruição dos invasores. Tudo isto é contemplado pelo olhar desolado dos irmãos. Desolado, mas motivado. Querem inverter a situação. “Este é um dos marcos mais imponentes da freguesia. Queremos, ou melhor, vamos revitalizá-lo!”. 


Por fim, o terceiro motivo. O potencial do espaço, propício à expansão que idealizaram e a todas as inovações que pretendem implementar. O complexo escolar tem dois edifícios - um deles com dois pisos - e um amplo espaço exterior. “Nós quisemos dar um salto e fazer algo bastante ambicioso. Não queremos que estas novas salas sejam apenas mais uma sala de escape room. O projeto é audacioso e, para enquadrar os enigmas e a história, tivemos de encontrar algo que se adequasse”, afirma Hélder. 
Há três novas salas projetadas. Uma é inspirada na popular série espanhola “La Casa de Papel”, outra tem como tema a saga “Harry Potter” e a última é um evento de terror imersivo. 


“A casa de papel será uma sala onde reinará a adrenalina”, afirma Hélder. Confessa que ele e o irmão são “fãs incondicionais” da série, que retrata um ambicioso assalto à Casa da Moeda de Madrid. No entanto, assegura que quem a visionou não terá qualquer tipo de vantagem nos enigmas. “Mas quem não viu também não vai ter spoilers”, sublinha de imediato. 
“Queremos transportar os jogadores para um assalto e tencionamos acelerar o seu ritmo cardíaco algumas vezes”. Não será uma missão de sobrevivência, onde alguém é apanhado de forma colateral no seio de um evento violento e tenta sobreviver. Antes pelo contrário. Os turistas serão os assaltantes. 

Os irmãos são também fãs acérrimos da saga de Harry potter. Leram todos os livros do jovem feiticeiro e devoraram todos os filmes. Neste caso, Hélder assume que os fãs da saga poderão ter vantagens em alguns dos enigmas. “Não podemos desvendar muito para já, mas queremos que seja uma sala mágica”. Pisca o olho ao irmão, antes de afirmar: “Mas posso adiantar que vai haver ‘magia’ dentro da sala”. 


E a sala de terror? “Essa será o nosso maior projeto!”, exclama Hélder. “Lá dentro, os jogadores irão passar todas as emoções possíveis”. Informa que será uma sala “dinâmica”, com dois níveis de dificuldade (soft e hard) que poderão ser ajustados durante o jogo, de acordo com o desempenho dos jogadores e o seu estado de pânico. “A sala de terror é algo que já tentámos criar no passado, mas não tínhamos as condições”, afirma Hélder. Há um momento de pausa na conversa, uma espécie de hesitação mútua, desbloqueada por Firmino: “A cantina da escola é o cenário perfeito para esta nova sala”. 
Uma outra novidade é a introdução de figuração. "Vamos ter atores lá dentro a desempenhar papeis específicos”, revela Hélder. “Definitivamente, não será uma sala para pessoas suscetíveis”.


Tal como os turistas vão ter uma contagem decrescente a pairar sobre a sua prestação, há um contra-relógio auto-imposto pela dupla de irmãos. Fazem questão de abrir o empreendimento antes de 2019. “O espaço deverá ser inaugurado ainda este mês, com a sala da Casa de Papel. A do Harry Potter estará pronta no início de janeiro e a de terror algures entre Janeiro e Fevereiro”, informa Hélder. Para atingir esse objetivo, têm trabalhado diariamente para transformar a escola num edifício cheio de mistérios. “Deparámos com algumas dificuldades, como o enormíssimo pé-direito das salas ou a quantidade de graffiti nas paredes, mas os trabalhos decorrem a bom ritmo e está tudo alinhavado para cumprir as metas que estabelecemos”. 


Quanto aos enigmas, “está tudo controlado”, assegura Firmino. “Temos uma forte relação de complementaridade nesse departamento”, diz Hélder. “Eu crio os enigmas a nível macro e ele depois faz o refinamento a nível micro, dando aquele toque especial que faz toda a diferença. É uma simbiose perfeita”, assegura. A esmagadora maioria dos engenhos, armadilhas e outros gadgets instalados nas três salas são de autoria dos irmãos. “Muitas vezes até sai mais caro fazer do que comprar já feito, mas assim temos todo o controlo do processo e liberdade para fazer todo o tipo de adaptações”. Há apenas duas exeções. Dois engenhos muito específicos, que vieram dos Estados Unidos e da Alemanha, que vão aumentar o nível de realismo na sala de terror. 

“Queremos que os turistas entrem na realidade que estamos a criar e na pele das personagens que vão vestir”, informa Hélder. Sublinha que há uma aposta “muito grande” na imersão e em proporcionar uma “experiência intensa”, a nível emocional e sensorial. “Queremos que os participantes se esqueçam que estão num escape room”.