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22 de junho de 2018

Glamping Sobe à Montanha Mais Misteriosa de Portugal



O toque da chamada irrompe pela sala. Num gesto mecânico, Jorge leva a mão ao telemóvel, que pensava ter silenciado. E tinha, de facto. O som vinha de outro lado. Resignado, levanta-se e vai buscar o portátil. Mais uma chamada de vídeo-conferência com Itália. Mais um jantar com o computador na mesa. Mais um momento familiar interrompido. Mais um dia numa vida cada vez menos sua. 

Há anos que Jorge era gestor regional de vendas de uma farmacêutica. A profissão garantia-lhe conforto financeiro, mas faltava o resto. “E com os anos percebemos que o resto é tudo”.
Jorge Pessoa (49) e a sua mulher Elga Correia (44) debatiam há muito mudar de vida. Ela era consultora informática e também estava saturada do emprego. “A motivação com que abordávamos o nosso trabalho já não estava a 100 por cento e para nós, quando isso acontece, é melhor procurar novas soluções”, afirma Jorge. Na altura, não sabiam ainda o que procuravam, apenas o que não pretendiam. À sua volta, sucediam-se os casos de amigos com problemas de saúde causados pelo stress acumulado das profissões. Jorge e Elga queriam seguir outro caminho. “No fundo, queríamos ganhar qualidade de vida, dar importância ao que realmente importa, amigos, família, felicidade, procurar libertar-nos de amarras quotidianas, sair da caixa e fazer algo que realmente nos desse prazer”, complementa.

O casal não saciou esse ímpeto de imediato. Ele foi-se arrastando durante alguns anos, anestesiado pela zona de conforto. Em 2013, um conjunto peculiar de “circunstâncias e coincidências” alinharam-se e o casal decidiu que tinha chegado o momento. Expressaram a sua vontade às entidades patronais, que se solidarizaram e facilitaram ambas as saída com “condições vantajosas de rescisão por mútuo acordo”. E começaram a planear o seu projeto. Iam levar o glamping à Serra da Gardunha.




1 - O sopé 

“Uma forma de campismo que envolve condições e comodidades mais luxuosas do que as habitualmente associadas ao campismo tradicional”. Essa é a definição de glamping no dicionário de Oxford. Em 2013, era ainda uma palavra desconhecida em Portugal. Jorge conheceu-a por mero acaso, num encontro fortuito com um amigo. Essa foi a primeira coincidência. Este falou-lhe, entusiasmado, de um tipo de campismo onde as tendas eram domos geodésicos, com toda a comodidade de um quarto de hotel. Jorge ficou curioso com o conceito. Em casa, aprofundou a pesquisa. Descobriu que os domos geodésicos eram estruturas que já existiam desde a antiguidade – onde os povos tribais as construíam com madeira e barro – e eram valorizadas pela sua estabilidade e resistência. A sua estrutura é composta por triângulos, que permitem que qualquer força aplicada seja distribuída igualmente até à sua base, um efeito semelhante ao dos arcos nas edificações em pedra. Em poucas semanas, a curiosidade foi-se adensando, até se solidificar em convicção.

A aposta no turismo agradava-lhe. Era um mercado que na altura já estava em crescimento e Jorge via no glamping uma oportunidade apetecível: “Um nicho de mercado que previa crescimentos na Europa de dois dígitos ao ano”. Por outro lado, Jorge sentia-se atraído pelo vislumbre de um quotidiano completamente oposto ao anterior. “Trabalhar no meio da Natureza, apostando num turismo sustentável e em produtos endógenos, sem dúvida que seria benéfico, para nós e para os nossos filhos”.




O próximo passo era encontrar a localização ideal. Jorge pensou na Serra da Estrela e chegou a ter algumas reuniões com a autarquia da Covilhã. “Mas não encontrámos nenhum terreno condigno para o projeto”. Foi então que surgiu a segunda grande coincidência. No decurso de uma conversa casual com o presidente da Câmara do Fundão, Paulo Fernandes, foi-lhe sugerido um local. Um planalto a 925 metros de altitude numa das elevações da Serra da Gardunha, com vista para todo o vale da Cova da Beira e Serra da Estrela. Jorge subiu a serra, viu, decidiu. “Vai ser aqui”.

Para além de idílico, aquele espaço permitia à família regressar às origens. Ambos eram naturais da Covilhã, que fica a 20 minutos de carro do local. “Mais uma feliz conjugação de fatores”. Lá em cima, Jorge encheu a vista de paisagem e os pulmões do ar mais leve que algum dia inspirou. E a mente de um único pensamento. A famosa frase de Júlio César. “Vim, Vi, ...”. Era apenas uma questão de tempo até pronunciar a palavra que faltava.


2 – O trilho

O plano estava desenhado e até batizado - Natura Glamping - mas faltava ultrapassar o maior dos obstáculos. A Serra da Gardunha é uma reserva paisagística protegida. À priori, seria difícil ponderar qualquer tipo de empreendimento na zona. Jorge reuniu, insistentemente, com a CM do Fundão, o ICNF, a CCDRC, o Turismo Centro de Portugal e o Turismo de Portugal, no sentido de encontrar formas de enquadramento legal para que o projeto pudesse nascer. 
Contrariamente ao que se previa, “acabou por ser um processo natural e não muito complexo”, assegura Jorge. O Natura Glamping foi enquadrado na categoria Parques de Campismo e foi dado o primeiro passo para incluir a vertente glamping na legislação. Jorge destaca o apoio da CM do fundão. “O Paulo Fernandes foi um grande entusiasta e apoiante do projeto, um visionário que viu que o glamping podia colocar a Serra da Gardunha no mapa turístico Nacional e Internacional”. O futuro dar-lhe-ia razão. Em quatro anos o nome Natura Glamping iria ser mencionado na imprensa nacional e internacional, em todas as televisões portuguesas e ser destacado em inúmeras publicações de turismo, como a Volta ao Mundo, a Fugas, a Evasões, a Azul Magazine, a Up Magazine (TAP), entre outras. E contabilizar 12 mil hóspedes. Mas, no presente, havia mais obstáculos na subida. 



3 – A escalada 

Era uma época de incertezas em Portugal. O país atravessava a crise de 2010-14, em 2013 a dívida pública superava os 130 por cento do PIB e o desemprego atingia os 16,2 por cento. “O mercado e o país estavam em grandes dificuldades, mas sempre ouvi dizer que era em épocas de crise que se fazem bons negócios e apostas arrojadas”, afirma Jorge. E o arrojo envolvia um investimento total de 300 mil euros, 60 por cento dos quais comparticipados pelo Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER) com fundos comunitários. O projeto englobava cinco mil metros quadrados, sete domos (seis de alojamento e um de eventos) e a recuperação de um anexo da casa florestal, transformado em receção, loja gourmet com produtos locais e sala de estar e pequeno-almoço para os hóspedes.

“Foi um processo complicado, principalmente porque a banca não acreditava em nós nem no nosso projeto”, afirma Jorge. Esboça um sorriso irónico, antes de continuar: “Fomos inclusive 'enchovalhados' por uma instituição financeira que trabalhava diretamente com a RUDE (Associação de Desenvolvimento Rural), que nos via como uns lunáticos sem experiência e sem credibilidade no estudo de viabilidade económica”. O sorriso irónico de Jorge adensa-se no final da frase. Dissipar-se-á mais lá para a frente. Por agora, prossegue: “Não demorou muito até conseguirmos aval numa mutualista que acreditou no projeto, com taxas mais elevadas, mas que permitiu hoje estarmos cá”.

Também aqui, as coincidências fizeram-se sentir. Quando Jorge precisou de justificar o pagamento da última tranche ao PRODER, não tinha capital suficiente. Faltavam 50 mil euros e sete dias para terminar o prazo. Jorge resolveu ir beber um copo, espairecer, pensar numa solução. Quando entrou no café, deparou com um velho amigo. “Não o via há anos”. Meteram a conversa em dia, Jorge falou da sua mudança profissional e do novo empreendimento. Quando questionado sobre o ponto de situação, Jorge mencionou a necessidade de injetar capital imediatamente. “50? Eu empresto-te isso, mete aqui a tua conta”, referiu o amigo, enquanto lhe passava um guardanapo de papel para as mãos. “Pagas-me quando receberes a tranche”. No dia seguinte, Jorge tinha o dinheiro na conta e o projeto seguiu em frente. “Parece uma cena de um filme, mas estas coisas acontecem”, assegura.




4 – Montar acampamento

Em Janeiro de 2014, Jorge e Elga visitaram a White Pod, na Suíça, cujas domos geodésicas eram a principal referência que o casal tinha na Europa. Reuniram com os promotores, estudaram os modelos minuciosamente e solicitaram alguns melhoramentos – ventilação, modularidade na substituição de componentes e tipologia interna – para as adaptar às necessidades e realidade local. 

“Todo o projeto tem estudos de arquitetura e engenharia, segurança e materiais nobres, ecológicos e com elevada resistência aos fortes ventos, chuva e neve”, afirma Jorge. “Aqui na zona temos rajadas de vento que por vezes passam os 100 km/h. Os nossos domos, tecnicamente, suportam o dobro disso”. Jorge destaca também a aposta em “material ignífugo, que garante grande resistência ao calor e às chamas”.

No outono de 2014, arrancavam as obras na montanha da Gardunha. No primeiro mês de 2015, finalmente, era colocada a cobertura dos domos. No planalto, imponentes, os seis semicírculos brancos destacam-se no verde da paisagem.
Nessa mesma tarde, a equipa de trabalho é surpreendida pelo ruído sibilante de borracha a resvalar no asfalto. Há uma carrinha que sobe a estrada da montanha a alta velocidade na sua direção. Trava, bruscamente, a poucos metros de Jorge, que assiste a tudo incrédulo. Saltam lá de dentro dois homens. Estão armados.




5 – Uma montanha cheia de mistérios 

A Serra da Gardunha ergue-se a 1227 metros de altitude nas cordilheiras da Beira Baixa. A região é sobejamente conhecida pela produção de cerejas. E pelos fenómenos misteriosos que ocorrem na sua montanha. São muito comuns os relatos de avistamentos de luzes estranhas nos céus naquela zona. Muitos dos locais já se referem às “luzes no céu” como um detalhe quotidiano. 

Nos anos 80, um lisboeta chamado Américo Duarte, fascinado com esta faceta misteriosa da Gardunha, decidiu mudar-se para a região e passar os seus dias de reforma a estudar o fenómeno. Recolhia testemunhos na população e todos os dias fazia uma caminhada na serra. Dedicava dias inteiros à observação e registava, minuciosamente, todos os avistamentos que considerava inexplicáveis em inúmeros cadernos. No caderno de 1980, a título de exemplo, registou 965 objetos voadores não identificados (OVNI) em 133 dias de observação, sendo que a maior incidência ocorria de Setembro a Dezembro entre as 23:00 e as 02:00. Américo Duarte sentia-se incumbido de “desvendar os segredos da serra” e assumiu essa missão até morrer, em finais da década de 90. 

“Esta serra merece um estudo aprofundado dos mais diversos ramos científicos porque, de facto, há aqui qualquer coisa”, referiu Joaquim Figueiredo, da Sociedade Portuguesa de Ovnilogia (SPO) numa conferência na região em Janeiro de 2006.
Jorge está bem familiarizado com essa faceta da Gardunha. “Li algures que este é dos 25 melhores locais do mundo para observação de fenómenos extra-terrestres”, afirma. Naquela tarde de Janeiro de 2015, era essa a convicção de pai e filho quando saltaram da carrinha, de caçadeira em punho. “Pensavam que os nossos domos eram naves espaciais que tinham aterrado”.




6 – O planalto 

Em abril de 2015, o Natura Glamping abriu as suas portas. A comunicação social respondeu em força e a curiosidade espalhou-se um pouco por todo o país. “Não fomos os primeiros, mas elevámos os padrões do glamping e isso despertou interesse”. O interesse rapidamente se transformou em adesão e a adesão em entusiasmo. “Os nossos hóspedes descrevem sempre a sua experiência nos domos de uma forma muito entusiástica”, afirma Jorge. “Adorei a minha nave espacial” é uma frase recorrente no feedback recebido. Desde então, mais de 12 mil pessoas já ficaram alojados no Natura Glamping. 90 por cento são portugueses. 



São números que confirmam as expetativas com que Jorge enveredou neste empreendimento. “No final do primeiro ano económico a nossa empresa, uma startup, conseguiu obter lucro, já com as amortizações calculadas. Nos dois anos seguinte, tivemos um crescimento de dois dígitos ao ano”, afirma. Informa ainda que, presentemente, o Natura Glamping “está apenas desviado dois por cento no estudo de viabilidade económica”. E apenas, sublinha, “na vertente dos eventos”.

E é nesta altura que é clarificado o sorriso irónico de Jorge. Com nítido esforço para conter o riso, confidencia: “Sabe, já me apeteceu enviar estes resultados à direção da instituição bancária que nos fez a avaliação inicial e ao indivíduo a quem eles pagam para obter pareceres e que, por acaso, até ensina economia numa universidade”. 

A base onde vai ser erguida a "super" domo nas obras de expansão em curso no Natura Glamping 

Jorge afirma que já estão a ser implementadas estratégias para aumentar a rentabilização do domo dos eventos, com maior investimento na divulgação junto das empresas para sessões de team building e reuniões empresariais. “Tal como a organização de casamentos e batizados”.

Para além disso, estão a decorrer obras de expansão. “A partir de Julho já teremos uma nova 'super' domo, com cinquenta metros quadrados, com jacuzzi embutido ao lado da cama, lareira e muito glamour”, refere Jorge. Informa também que será inaugurado uma “piscina infinita”, com vista panorâmica para a Serra da Estrela e a Cova da Beira, tal como um bar de montanha, aberto ao público externo do glamping.



7 – O cume 

O entardecer abate-se sobre a serra. É com essa luz dourada refletida no olhar que Jorge responde à questão. Sim, sente que conseguiu vencer e atingir aquela que talvez seja a derradeira conquista, quase sempre subvalorizada até ao dia em que é vivenciada: a de um quotidiano melhor. “Vamos conseguindo gerir cada vez melhor estas novas rotinas, temos menos stress e muito prazer em fazer o que gostamos”. Faz uma pausa, sorri e, com o olhar projetado na distância, prossegue: “Sinto-me muito bem na Gardunha, as pessoas sentem-se bem aqui. Há uma energia especial nesta montanha”. Confidencia um fenómeno curioso. Refere que é muito comum aparecerem no Natura Glamping hóspedes por “intuição”. “Sentem que deviam vir cá e vêm, de forma espontânea, sem planos”. Alguns, prometem vir morar para a região quando se reformarem, “cativados pela aura misteriosa e fantástica da Gardunha”. Curiosamente, uma palavra com origem árabe e cujo significado se traduz: “Refúgio”.