26 de junho de 2020

Casa Santa: Onde habita o sonho da Rita (II)



As portadas de madeira rústica estão abertas e deixam entrar a brisa de Verão na sala. A única fronteira são duas cortinas brancas que ondulam à sua passagem e, de vez em quando, permitem ao olhar perder-se nas águas do Mondego e nas montanhas cheias de verde de Penacova.

Até há pouco tempo, esta casa estava sem ninguém. Foi também num Verão e também com as portadas abertas, que Rita Cassilda passou lá alguns dias, em introspeção. O seu projeto turístico, o Indústria Central (cuja história contámos aqui), tinha ficado órfão de espaço e não ia avançar. Rita tinha depositado incontáveis horas de energia, dedicação e conhecimento nesse desígnio e procurava agora uma solução. Dessa vez era de noite. Foi na companhia das estrelas, do luar e do som das corujas que a encontrou. Ia ser esta casa, que pertencera à sua avó, a adotar e dar abrigo ao seu velho sonho.



“Uma plataforma física de alojamento, promoção e centralização de serviços e produtos do Centro de Portugal que interliga rotas e património de uma forma colaborativa, procurando soluções que permitam um relacionamento mais harmonioso com o nosso ambiente natural”. Isto era o que estava previsto no seu Indústria Central. Todas essas valências são ser recriadas aqui. Inclusivamente, será implementada uma novidade, que lhe veio reforçar a convicção que este desvio a levou ao caminho certo.
A casa tem dois andares. No andar de cima, há três quartos, uma sala e uma cozinha. Rita começou de imediato a planear as remodelações. Pintou paredes, mudou quadros de eletricidade, instalou janelas novas e reaproveitou a madeira antiga. Redecorou todo o espaço à sua imagem. “Com bom ambiente, com boa onda”, em sintonia com o seu Santa Rita Lifestyle uma página do Facebook que criou para partilhar dicas sobre sustentabilidade e um estilo de vida de consumo consciente, tal como curiosidades do mundo da biologia, a sua área académica.



“Aqui vai funcionar a nossa oferta de alojamento”, afirma Rita. Apesar de ainda faltarem alguns acabamentos (pintura exterior e algumas renovações adicionais), a casa já costuma receber hóspedes, que a alugam durante períodos de férias. “O processo de remodelação está a ser feito de forma sustentada. Para já, vou fazendo o que está ao meu alcance e recorrendo a algumas pessoas para ajudar em determinados trabalhos. No entanto, quero fazer uma reabilitação a sério, por isso vamos submeter o projeto a uma candidatura para obter fundos”.




Quando esse processo estiver concluído, Rita prevê transformar a casa num “espaço ímpar de turismo sustentável e criativo”. Para além do alojamento, o hóspede terá a oportunidade de viver uma experiência de “conexão com a natureza” e de “consciência sustentável”, que lhe permitirá aprender a poupar recursos e ganhar uma maior consciência sobre o seu estilo de vida. “São ensinamentos que vão permitir poupar em casa, no corpo e no planeta”.

No decurso da sua estadia, os hóspedes vão poder experienciar compostagem, reaproveitamento de energia e recursos, formas conscientes de consumo. “Terão sempre a opção de optar entre o convencional e o alternativo. Vão existir painéis informativos com guidelines, que explicam as vantagens de determinada opção”, assegura Rita.



Vai ser também possível cozinhar refeições vegetarianas com recursos próprios. No jardim há uma horta cheia de legumes e ervas aromáticas. “Quando quiserem decidir o que vão jantar, basta ir lá fora, escolher e depois preparar, numa cozinha com vista para o rio e as montanhas”.




A horta está também recheada de ervas e plantas medicinais. “Podem colher hortelã fresca e fazer um chá que, para além de delicioso, é excelente para a digestão. Ou um chá de dente-de-leão que é ótimo para o sistema imunitário. Ou, se quiserem uma noite mais tranquila e relaxante, podem optar por camomila, valeriana ou flor de laranjeira”.
Futuramente, irá implementar a produção caseira de cogumelos.



Rita gosta de fundir a sua faceta científica de bióloga com a espiritualidade. Dessa mistura, surgiu o nome deste seu novo projeto: Casa Santa. “Há um mundo santo que desconhecemos e que descobrimos quando nos começamos a conectar com a natureza. Não é no sentido religioso, mas espiritual. Quero que esta casa seja um ponto de coneção com esse mundo santo que nos rodeia”.



E essa coneção será aprofundada com os planos que a jovem empreendedora tem para o andar de baixo. Ao descer as escadas há uma sala ampla com paredes de rocha rugosa. “Era aqui que meu avô tinha os seus serões com os amigos”, refere Rita, acenando para um canto onde existe uma garrafeira. “Foram eles que escavaram isto tudo com picaretas”.

Esse espaço vai ser convertido num workspace, onde serão feitos “workshops diversos e academias artísticas”. Haverá também liberdade para partilhar talentos.  “Se tiveres algum skill que possas pôr lá em prática para o benefício da Casa, as modalidades ajustam-se ao teu contributo, podes até nem pagar nada”, atesta a empreendedora, com um sorriso.



Neste piso térreo, Rita pretende também remodelar o pátio, recuperar um forno de lenha, construir uma cozinha comunitária e transformar os currais em mais unidades de alojamento. Um conjunto de objetivos que está, para já, dependente de uma candidatura bem-sucedida a uma linha de investimento.
“Um projeto sustentável é aquele que está constantemente a ser reformulado para ser viável no presente e no futuro a curto, médio e a longo prazo”, diz Rita.



E, como tínhamos mencionado, esta reformulação trouxe uma importante novidade. Paralelamente a tudo o resto, Rita vai começar a organizar diversas atividades na natureza. Identificação de espécies comestíveis e medicinais, construções naturais de abrigos, descer o rio em kayak ou colheita de cogumelos são algumas das atividades que vai implementar.

“Nesses passeios vamos treinar a visão para o mundo natural, compreender a face cíclica da natureza, detetar as espécies endógenas, explorar texturas, distinguir pormenores”. Faz uma pausa, pisca o olho e diz: “Há cogumelos quase iguais, como o tortulho e o barriga de frade. Mas um mata e o outro não”.
Rita está, presentemente, em busca de parceiros que trabalham na área da sustentabilidade para propor sinergias para atividades e workshops. Já estabeleceu parcerias em Penacova, Arganil, Coja, Lousã e Miranda do Corvo. “Vou ser a primeira guia de turismo sustentável e criativo no Centro de Portugal”.

Nas suas palavras é notória a afeição ao interior. “É uma região especial e rica, com uma grande diversidade de experiências, pessoas e locais. Não é por acaso que se diz que o Centro de Portugal é ‘um país dentro do país’ ”.




Este Verão, vai explorar os territórios de Sicó, Buçaco e Serra da Boa viagem. “Eu, a minha cadela e o meu Clio”, afirma, sorridente, enquanto sobe as escadas e regressa às portadas que se abrem para o mundo. Contempla a paisagem. “Quando chove e faz sol ao mesmo tempo, há arco-íris que nascem neste vale, é lindíssimo”. O olhar perde-se na distância. Partilha que “choveu muito” na sua vida quando os planos para o Indústria Central não se concretizaram.

O seu arco-íris foi perceber que quando os planos não decorrem como se pretende, se houver capacidade de adaptação, por vezes o desfecho revela-se ainda melhor.  “O que eu ia fazer no Indústria, posso fazer aqui, nesta casa, nas minhas atividades e com os parceiros. A diferença é que lá ia estar presa a um local fixo, que me ia consumir, endividar e, possivelmente, arruinar com esta pandemia do Covid19. Aqui e agora, os objetivos mantém-se. Mas com muito mais liberdade”. 


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